Se
adaptar obras clássicas, nunca é tarefa fácil, quando pensámos
num autor do calibre de Edgar Allan Poe, a tarefa recrudesce, seja
pelo conhecimento prévio que muitos já têm dos contos e poemas
originais, seja pelo tom fantástico, o suspense ou o terror literal
e psicológico que neles impera.
Mas,
na verdade, teria sido difícil escolhido um desenhador mais
competente do que Richard Corben
(1940-2020)
para
o fazer.
Espíritos
dos Mortos,
uma compilação agora disponibilizada pela G. Floy, demonstra-o...
de forma assustadora!
Corben não é um autor de consensos, longe disso. Seja na sua vertente autoral, em relatos de ficção científica, quando empresta o seu traço a criações de outros - Hellboy, LukeCage... - geralmente é odiado por uns e endeusado por outros.
Neste caso, com certeza não será diferente, mas a verdade é que é aquilo que geralmente lhe apontam os detractores - o seu traço, a um tempo grotesco e enganadoramente grosseiro, os seres deformados e burlescos a que dá vida - que o tornam ideal para uma nova leitura de contos e poemas famosos, com mais de século e meio, como A Queda da Casa de Usher, Os Crimes da Rua Morgue, O Verme Triunfante ou O Corvo. É com esse traço tão odiado, que consegue acentuar a brutalidade, a insanidade ou o carácter atormentado das personagens, transformando a sua imagem no papel, num reflexo visível das sombras, demónios e tormentos que as corroem por dentro e as tornam tão violentas, agoniadas e dementes, sem deturpar - bem pelo contrário - o tom sombrio e obcecado que era a imagem de marca de Poe.
Em termos narrativos, o recurso a uma bruxa velha para introduzir os relatos, comentá-los ou encerrá-los com acentuado humor negro, são também um achado que contribui para dar unidade, identidade própria e coerência a este Espíritos dos Mortos, um volume generoso no número de páginas e no formato deluxe, mas cuja leitura diluída no tempo se recomenda para uma melhor apropriação da sua substância.
Espíritos
dos Mortos
Richard
Corben
A
partir dos poemas e contos originais de Edgar Allan Poe
G.
Floy
Portugal,
Março de 2021
180
x 275, 224 p., cor, capa dura
ISBN:
978-83-66589-30-8
25,00
€
(versão alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 10 de Abril de 2021; imagens disponibilizadas pela G. Floy; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Concordo em absoluto. Já faz parte da coleção!
ResponderEliminarBreccia também teria feito algo de interessante com estas histórias, num tom mais tenebroso.
ResponderEliminarEsta abordagem do Corben está mais de acordo com tom algo burlesco dos filmes da Hammer.