Spirou como nunca o lemos
Acabado de editar pelas Edições ASA, Diário de um ingénuo vem suprir uma lacuna relevante no panorama editorial português: a ausência dos ‘Spirou de autor’, assim designados pela liberdade criativa que é dada aos autores que imaginam aventuras do jovem groom de hotel fora da sua cronologia oficial.
[A excepção, até agora, era Os gigantes petrificados, de Vehlmann e Chivard, integrado na colecção que a ASA e o jornal Público dedicaram a Spirou em 2007.]
E bem pode escrever-se que a estreia não podia ser melhor, pois esta obra de Émile Bravo tem sido justamente aclamada em todos os países. O ponto de partida era uma premissa arrojada: justificar o que aconteceu a Spirou na década que mediou entre a sua criação por Rob-Vel e a sua explosão como herói maior sob a alçada de Franquin. E, de caminho, contar como o adolescente foi trabalhar para um hotel, vestindo o uniforme com que se tornou célebre, como surgiu a sua amizade com o tempestuoso Fantásio e de onde apareceu o esquilo Spip.
Bravo responde a tudo com distinção, numa narrativa com arremedos de história de espionagem, que tem por pano de fundo os acontecimentos que antecederam a invasão da Polónia pela Alemanha de Hitler, na antecâmara da II Guerra Mundial, e que contém uma série de referências a questões da actualidade que garantem uma proposta de leitura mais adulta. A par disso, confere-lhe também um tom sensível e humano, quando nos fala da idade formadora de carácter, em que fazemos muitas das escolhas que definem o que seremos mais tarde, do primeiro amor e das primeiras amizades de Spirou e de um certo segredo que o marcou para a vida e o obrigou a um crescimento acelerado num curto período de tempo, ganhando consciência cívica e política.
Finalmente, dota o todo com um humor ingénuo irresistível, recheado de bem conseguidas referências a Tintin, rival de papel do protagonista na vida real, mas no livro herói dos seus jovens amigos.
O desenho com que nos serve este “Diário de um ingénuo” é deliciosamente retro e expressivo e servido por um colorido ajustado às necessidades narrativas, proporcionando uma obra muito consistente e com vários níveis de leitura, de ritmo assumidamente pausado, proporcionado pela planificação clássica de quatro tiras por página.
História auto-conclusiva, o Diário de um ingénuo teve uma aceitação tal, que Bravo voltou às personagens e à época em L’Espoir malgré tout, um notável fresco em quatro volumes, recentemente concluído, que se espera a ASA venha a editar também.
Spirou:
Diário de um ingénuo
Émile
Bravo
ASA
Portugal,
Setembro de 2022
240 x
320 mm, 80
p., cor,
capa dura
19,90 €
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Setembro de 2022; imagens disponibilizadas pelas Edições ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Caro Pedro
ResponderEliminarObrigado pela recensão crítica. Há já algum tempo que não compro nada do Spirou. Franquin e (em menor grau) Fournier foram, para mim, os pontos altos dessa série. Praticamente todas as séries de outros tempos que têm sido retomadas há já alguns anos não me têm entusiasmado (Spirou incluído). No entanto, o conceito de escrever uma história "vista por" parece-me mais interessante, dado fugir deliberadamente ao esquema habitual, resultando daí por vezes histórias inovadoras. Vou comprar, então, este Spirou na expectativa que seja uma história que valha a pena.
GP
Este conceito é muito bom mas a na série principal a dupla Tome e Jenry fizeram grandes álbuns também
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