23/02/2024

The Promised Neverland #20 (último)

A nova normalidade


Embora viva neste tempo - e por isso ele também seja o meu - confesso alguma inveja dos adolescentes/jovens(/e adultos!) de hoje que não vivem com a angústia permanente quanto à edição ou não do volume seguinte de uma qualquer das séries que seguem. Em tempos idos - os anos 1970/80/90… - multiplicaram-se as séries incompletas, com um, dois ou três volumes, seguidos ou saltados publicados em português…
The Promised Neverland é o exemplo mais recente desta (nova) normalidade.

...o que não significa que ela possa ser pontualmente posta em causa quando as vendas não correspondem às necessidades editoriais ou as exigências a montante (no editor original) tornam incomportável a continuação da edição lusa, só para citar duas questões que acontecem neste mundo real em que vivemos.

Em relação a The Promised Neverland, a conclusão da edição ao fim dos seus 20 volumes - cerca de 4000 pranchas, portanto - é ainda mais significativa pois acompanhou de perto a conclusão da série no Japão, o que (também) é importante para garantir que o maior número de leitores portugueses aguarda pela edição na sua língua para ler a sua série preferida.

Vinco ainda que a Devir iniciou a publicação em meados de 2019 e a conclui menos de cinco anos depois, o que revela uma média de quatro tomos por ano. É obra.


Mas deixemos estas questões mais formais. Na base do argumento que Kaiu Shirai desenvolveu para The Promised Neverland está uma nova ordem mundial que levou demónios a controlarem e tratarem os seres humanos como gado para abate e alimentação própria, em quintas semelhantes a enormes orfanatos, onde as crianças são engordadas até estarem no ponto.

Se a premissa é algo aterradora - e este é o tom geral da série - o traço ‘fofinho’ e ‘bonito’ com que Posuka Demizu retrata as personagens trata de a ampliar pelo forte contraste entre o narrado e a sua (agradável) representação gráfica.

Ao longo desta longa saga, vamos acompanhar uma série de crianças, habitantes, primeiro, fugitivas, depois, da quinta de Grace Field, em busca de liberdade própria, de libertar os outros humanos e de encontrar o caminho para o (ainda existente) mundo dos humanos, assumindo os seus actos muitas vezes um tom de luta contra a opressão e de resistência contra aqueles que os querem escravizar.

Vai ser um período longo, em que aquelas crianças serão obrigadas a crescer muito depressa perante as situações adversas, um período iniciático em que aprendem a conhecer-se a si próprias e aos outros, a reconhecer os pontos fortes e fracos de cada um e a adaptarem-se às circunstâncias.

Saga em crescendo, com diversos pontos altos ao longo da sua extensão, com muitos momentos de auto-reflexão e apontamentos de humor e ternura que a humanizam, The Promised Neverland assume contornos épicos, acentuados por um tom trágico que vai bem para além da morte de alguns dos principais intervenientes, mas teria ganho com alguma contenção que lhe retirasse pelo menos um par de volumes.

Mesmo assim, descobri-los regularmente constituiu uma leitura muito estimulante, que só parou de surpreender quando terminou, porque mesmo neste último tomo, que surge aqui como representativo da saga criada por Shirai e Demizu, há diversas inflexões narrativas e a escolha de opções que contrariam o facilitismo ou o recurso a estereótipos que abundam no género.

...mas, como já ,e tenho queixado outra vezes, falta(-me) agora o tempo - que existiria num mundo ideal utópico - para refazer a leitura, de uma só vez, para uma maior fruição de toda a saga.


The Promised Neverland #20 (último volume)
Kaiu Shirai (argumento)
Posuma Demizu (desenho)
Devir
Portugal, Fevereiro de 2023
126 x 190 mm, 238 p., pb, capa cartão
9,90 €

(imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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