Viver como as águas de um rio...
Tive
a sorte de descobrir Étienne
Davodeau,
o autor, em 1992 - com a série Les
amis
de Saltiel -
e o homem, pessoalmente meia dúzia de anos depois.
Ao
longo destes trinta e poucos anos
acompanhei a sua carreira, descobri cada novo livro - nem sempre tão
rapidamente quanto deveria e desejaria - e comprovei, a cada novidade
literária - sem necessidade deste apodo para a justificar, mas com
toda a força, importância e dimensão que ele pode conferir à
literatura desenhada que o autor francês nos serve - como ele
tem conseguido partir de premissas extremamente originais que
transforma em histórias de vida, humanas, impressionantemente reais
e credíveis, daquelas que dão vontade de ter vivido.
No caso de Loire - título de um livro e carta de amor a uma região conhecida pela sua vontade própria, pela forma como as águas que a atravessam sobem e descem ao ritmo que o homem não controla o que torna fértil e únicas as suas terras - temos mais uma vez um ponto de partida original e desconcertante, quando um homem, ‘com idade para ter juízo’ - dirão alguns incapazes de apreciar a poesia que ultrapassa as marcas e os grilhões do tempo e do espaço - decide despir, dobrar e pousar cuidadosamente as suas roupas num canto e mergulhar todo nu nas águas de um rio que conheceu décadas atrás, deixando-se arrastar pela corrente durante quilómetros e longos minutos, sabendo que o regresso à sua roupa será feito de pés nus, aliás de corpo todo nu, por caminhos de terra, pedregosos ou pelo meio de vegetação pouco simpática…
Não resisto a adiantar um pouco mais - por isso deixo aqui o aviso de que me poderei estar a exceder e a desvendar demasiado - mas aquele mergulho, tal como o regresso à Loire, é na realidade uma busca de memórias, emoções e recordações, numa história cativante que nos levará muito além daquelas águas pois Louis - é esse o seu nome - retorna à casa de Agathe, com quem viveu alguns anos (atrás), de forma intensa e apaixonada. Entre outras surpresas, encontrará lá outros dos amores daquela que os convocou a todos, numa história reflexiva, sensível e desafiadora, sobre a passagem do tempo e as escolhas de vida.
Não me vou estender (muito) mais, porque Loire é (mais) um belíssimo livro para ser lido - e meditado - e não resumido ou contado, mas talvez a melhor - ia escrever lição, mas a narrativa está longe do peso deste termo - por isso recomeço, talvez o melhor conselho que posso extrair deste relato é que as vidas não correm bem ou mal, apenas fluem como as águas de um rio e devemos aproveitar o melhor de cada momento.
Loire
Étienne
Davodeau
Futuropolis
França,
Outubro de 2023
220
x 298 mm, 104 p., cor, capa dura
20,00
€
(imagens disponibilizadas pela Futuropolis; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Sem comentários:
Enviar um comentário