Com o regresso dos Clássicos da Literatura Portuguesa em BD, regressam também as entrevistas aos autores, realizadas à distância e tendo por base um questionário modelo igual para todos.
Desta vez, as respostas são de João Ramalho Santos e Filipe Abranches, os autores da adaptação de Crónica de D. João I.
As Leituras do Pedro - A escolha da obra foi pessoal ou da editora?
João Ramalho Santos - Da editora. Arrisco que terei sido dos últimos autores a ser contactado, se não mesmo o último.
Filipe Abranches - Editora.
As Leituras do Pedro - E a escolha do desenhador para a ilustrar?
João Ramalho Santos - Foi também da editora. Mas eu não teria feito escolha melhor. Foi um grande prazer trabalhar com o Filipe, cujo trabalho admiro desde sempre.
Filipe Abranches - Foi uma recomendação do designer das capas desta colecção, o Jorge Silva.
As Leituras do Pedro - Já conheciam a obra? O que trouxe adaptá-la?
João Ramalho Santos - Sabia que existia e tinha lido extratos, sobretudo num contexto de aulas de História. Eu, e talvez a maioria das pessoas. Desde logo a primeira dificuldade: não há uma edição completa disponível em português contemporâneo. Talvez fosse boa ideia pensar nisso. Um clássico tem de estar mais disponível.
Filipe Abranches - Vagamente estudei as crónicas no meu curso de História da Universidade de Lisboa - Letras. A escolha veio da Editora e da sua linha editorial.
As Leituras do Pedro - Se a escolha fosse livre, sem limitações, que obra gostavam de adaptar?
João Ramalho Santos - Estamos sempre limitados por questões de direitos de autor (terão de estar no domínio público). Mas A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz é um livro que ressoa muito comigo (ciência/tecnologia versus bucolismo). Outro livro do Eça que adoro é A Ilustre Casa de Ramires, um pouco a versão decadente da Crónica de D. João I. Também gosto muito de Camilo Castelo Branco, e aqui seria a Brasileira de Prazins (ou Retrato de Ricardina, ou A doida do Candal...). Já fora deste âmbito, obras de autores como Miguel Torga, Maria Gabriela Llansol, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Nuno Bragança ou Maria Lamas. Ou as Cartas Portuguesas, já que as Novas Cartas Portuguesas não daria... Há tanta coisa!
Talvez por ter passado férias por ali, fiquei também com grande vontade de fazer algo com Mau tempo no canal, de Vitorino Nemésio.
Filipe Abranches - Raul Brandão - Húmus.
As Leituras do Pedro - Como se adapta uma obras destas a BD? Quais as principais dificuldades?
João Ramalho Santos - Para além de ter sido difícil identificar uma versão completa fiável, falamos de 1500 páginas (daria uma série), a reduzir a 48 num prazo relativamente curto... Essa foi a maior dificuldade. Foi preciso mapear eventos e personagens-chave, e procurar as melhores ligações. Para além de tentar encontrar o tom correto de linguagem e evitar (o mais possível) o abuso de texto. Faço notar que é uma leitura fascinante! É um épico, uma espécie de Guerra dos Tronos sem dragões. Para dar um exemplo concreto da dificuldade: o Pedro Massano fez um excelente álbum só sobre a Batalha de Aljubarrota (A batalha: 14 de agosto de 1385), nós tivemos de usar duas páginas para descrever as mesmas cenas...
Filipe Abranches - No caso das crónicas do Dom João I, do Fernão Lopes, a maior dificuldade foi o comprimir 1500 páginas de crónica em 48. A outra terá sido lidar com tantos nomes enquanto protagonistas. O João Ramalho-Santos foi genial na captação de momentos chave e em dar-lhes uma unidade e sequência. Eu andava à espera de uma oportunidade para voltar às ambiências da História de Lisboa, mas com novo aprimorado gráfico, com a ajuda ponderada dos meios digitais. O desenho base é todo à antiga, canetas e pincéis sobre papel.
As Leituras do Pedro - Como foi o vosso processo de trabalho?
João Ramalho Santos - A editora pede um argumento completo para validação, depois dividido em páginas (descrição de cenas, personagens, texto, diálogos). Depois o Filipe fez um storyboard e fomos falando e ajustando. A ideia do Filipe de pôr o próprio narrador (Fernão Lopes) a ancorar o desenho pareceu-me excelente. Até porque a obra tem uma forte oralidade, é uma espécie de novela épica lida para um público. E, como é muito grande e dificilmente se leria de uma assentada, o narrador está sempre a repetir, a resumir, ou a chamar a atenção para pormenores anteriores.
Filipe Abranches - Integralmente à distância. Depois de haver um guião e alguns estudos de personagens e ambiências, parti para os layouts e planificação com o João. Depois as páginas iam sendo aprovadas à medida que saiam. Foi uma parelha que funcionou muito bem. Houve pouquíssimas alterações.
As Leituras do Pedro - Que expectativas têm?
João Ramalho Santos - Nunca tenho. Espero que seja um livro que possa fazer pontes entre diferentes tipos de leitores, e chamar a atenção para obras menos conhecidas. Uma obra que, neste caso, até tem a ver com um momento importante para a nossa identidade enquanto país, e para o modo como encaramos a nossa História.
Filipe Abranches - A temática não captará o grande público, mas precisamente contaremos com a Academia e lançamentos pontuais, Universidade de Coimbra, Fólio, Amadora, por forma a promover o melhor o livro. Acho que o grafismo arrojado pode trazer um público mais da BD e variado.
As Leituras do Pedro - Qual a importância de uma colecção como esta?
João Ramalho Santos - Para além de dar a conhecer o trabalho de excelentes autores de BD, como o Filipe Abranches, a outros públicos, o que disse na resposta anterior.
Filipe Abranches - É cedo para avaliar o impacto, mas se estes livros começarem a invadir o Plano Nacional de Leitura, a ter prémios e a difundirem-se pelos quiosques no grande público, a BD nacional ficará grata.
(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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