29/10/2024

Naturezas mortas

Questionar a pintura e o acto criativo

Barcelona, últimos estertores do século XIX. Vidal, Balaguer i Carbonell, considerado pelos seus pares um dos prodígios do modernismo catalão, está cada vez mais introvertido e irascível. Suspenso o mecenato do pai, que sempre o apoiou, recusa separar-se dos seus quadros, perdendo vendas avultadas e a possibilidade de pagar as muitas dívidas e endireitar a sua vida.
O início desta espiral descendente coincidiu com a desaparecimento de Mar Noguera Monzó, sua musa e amante, após a pintura de um belo retrato dela.

Desde então, o pintor chora o seu desaparecimento, desperdiçando o seu inigualável talento em encomendas menores de naturezas mortas - de onde advém o título da obra - ou motivos de circunstância. Para piorar as coisas, a polícia considera-o suspeito do desaparecimento de Mar, investigando afincadamente os seus passos e acções, ao mesmo tempo que os credores o apertam cada vez mais.

É esta a porta de entrada para Naturezas mortas, mais uma co-edição da Arte de Autor e de A Seita na colecção que dedicam a Zidrou, que se afirma mais uma vez como um narrador de excelência. A edição portuguesa, única em comparação com outras traduções ou até a original, foi enriquecida com um substancial dossier final e uma capa inédita -que substitui a original, com o quadro que está no cerne de toda a intriga - cuja textura imita a dos quadros a óleo.

Obra nostálgica, melancólica e onírica, apresenta aos leitores portugueses o desenhador Oriol Hernández, convidado do recente Festival Bang!, cujo belíssimo traço confere uma outra dimensão a uma obra que surpreende pelo tom fantástico que assume e é daqueles livros que nos obrigam a voltar a eles, pela forma como estimulam e deslumbram.

Metáfora sobre a pintura, a inspiração e o paraíso dos artistas, Naturezas Mortas abandona o eventual tom policial para nos mergulhar no acto criativo e nas suas consequências, questionando se a pintura eterniza ou esvazia ao suspender no tempo um momento único.


Naturezas Mortas
Zidrou (argumento)
Oriol Hernández (desenho)
Arte de Autor/A Seita
Portugal, Outubro de 2024
216 x 289 mm, 80 p., cor, capa dura
23,00


(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias a 11 de Outubro de 2024 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor e A Seita; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

2 comentários:

  1. Este álbum está de tal forma bem concebido quer a nível de argumento e desenho, quer a nível editorial que quando o terminei pensei tratar-se de um pintor real e de quadros reais. Só depois soube que tudo foi arquitetado pelos autores. Brilhante álbum. Até já fui comprar outro para parabenizar um amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, também por isso, Zidrou é um dos grandes argumentistas dos nossos dias.
      Boas leituras!

      Eliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...