Com o seu nascimento estabelecido “oficialmente”
em função (também) da utilização regular de balões de fala, a banda desenhada
tem provado recorrentemente que o texto escrito é muitas vezes desnecessário
para a narração das histórias e para que os seus protagonistas se façam ouvir e
entender.
A leitura recente e coincidente no tempo de
(mais) três exemplos – dois deles em géneros em que isto é pouco habitual - são
a justificação para este alinhavar de ideias, apresentado em função da ordem
cronológica em que os li.
Donald e Peninha em Póquer de Ases
Enrico Faccini
In Comix #19
Goody
Portugal, 10 de Abril de 2013
135 x 190 mm, 132 p., cor, brochado, mensal
1,90 €
Viva e expressiva, a BD Disney – ao contrário da
Turma da Mônica em que as histórias mudas são recorrentes – socorre-se
habitualmente do texto escrito, o que torna mais surpreendente esta história publicada
originalmente em Itália há apenas um ano com o título “Paperino & Paperoga
in poker d'assi!”.
Relato de uma (surpreendente?) partida de póquer
entre os primos Donald e Peninha, embora podendo ser interpretada linearmente,
reveste-se de maior interesse se for lida enquanto metáfora dos truques,
estratagemas e ardis utilizados pelos jogadores ao longo de uma partida de
cartas para espreitar, adivinhar ou intuir o jogo e a estratégia do adversário.
São apenas 13 páginas, com excepção da primeira
sempre assentes numa estrutura de três tiras de duas vinhetas, o que acentua o
estatismo dos dois intervenientes e destaca mais os subterfúgios que utilizam,
num conjunto sem dúvida muito bem conseguido.
Em memória de Marla Jameson
In “Homem-Aranha” #128
Dan Slott (argumento)
Marcos Martin (desenho)
Panini Comics
Brasil, Agosto de 2012
170 x 260 mm, 68 p., cor, brochado, mensal
R$ 6,50 / 2,80 €
Actualmente nas bancas portuguesas, esta edição
do Homem-Aranha inicia-se com uma história que abre e fecha com longas
sequências mudas.
No seguimento da aventura narrada na revista
anterior, mostra os preparativos e o funeral de Marla, a esposa de J.J. Jameson,
ex-director do Clarim Diário e actual presidente da câmara de Nova Iorque,
dando especial atenção ao estado de espírito dele próprio – que acaba de perder
a mulher - e de Peter Parker/Homem-Aranha – que se sente culpado por não ter
conseguido evitar essa tragédia.
Aqui, o silêncio na narrativa – de onde as
habituais sequências de confronto e de acção estão ausentes - acentua a
saudade, a tristeza, a dor e o sentimento de culpa que, em doses diferentes,
afectam os dois, e revela-se bem mais expressivo e eloquente do que muitas
palavras que poderiam ter sido usadas.
Caroline Baldwin #1 – Moon River
André Taymans
In NetComic #11 a #19
NetCom
2 Editorial
Espanha,
Abril de 2012 a Fevereiro de 2013
210 x
297 mm, 32 ou 48 p., cor, brochada, mensal
Primeira aventura de Caroline Baldwin, a
detective privada criada por André Taymans, apresenta uma estrutura narrativa
que intercambia sequências completamente mudas com outras em que os balões de
fala desempenham o papel habitual.
As primeiras são bem utilizadas quer para
descrever, sem recurso a texto escrito, situações banais – o despertar, uma
viagem de carro, a inspecção de uma moradia… - , quer para apresentar ao leitor
momentos de introspecção e de solidão, nos quais, aliás, está o segredo por
detrás do relato.
Este conta o desaparecimento de Frank White, um
ex-astronauta actualmente quadro de uma destacada empresa de aeronáutica, cuja
presença é fundamental para garantir a assinatura de um importante contrato. Chamada
para o encontrar, Caroline terá de enfrentar não só aqueles que na sombra
querem fazer desaparecer White – que na realidade fugiu apenas assombrado por
remorsos que há muito o atormentam – quer os seus próprios fantasmas.
Lida na revista gratuita espanhola da NetCom 2 –
similar à portuguesa BDNet – encheu-me mais uma vez de um reprovável sentimento
- a inveja – em relação a “nuestros hermanos”. Já com 21 números publicados,
periodicidade mensal e 32 a 48 páginas (!), inclui muita informação sobre as
séries e autores que a NetCom 2 edita em Espanha e permitiu-me perceber como
uma editora que nasceu editando apenas Alix, não só completou esta colecção em
tempo recorde como também cresceu de forma surpreendente.
Na NetComic, para além de Caroline Baldwin, pude
também (re)encontrar Yoko Tsuno, Vasco, Lois, Allan MacBride (também em
publicação na versão portuguesa BDNet) e até algumas criações espanholas…
Sendo difícil consegui-la em papel à distância a
que nos encontramos, resta o consolo – para mim incompleto – da sua leitura online…