12/02/2010

10 Anos sem Charles Schulz

Há dez anos, a 12 de Fevereiro de 2000, falecia Charles Schulz, o criador dos Peanuts, possivelmente a banda desenhada que mais autores (e não só) influenciou. No dia seguinte, era publicada nos jornais a última prancha dominical desenhada por si. Em Outubro próximo, passam 60 anos sobre a estreia da sua criação.

“Quem te disse que sabias jogar basebol? És o pior do mundo! És uma nulidade! És uma desgraça!”, afirma alto e bom som Lucy, dirigindo-se a Charlie Brown, na tira de 7 de Setembro de 1959. Logo de seguida, Patty reitera: “Não prestas para nada! És abaixo de zero! És pior do que mau! És…”
Era Charlie Bown, em todo o seu (total desprovimento de) esplendor, ou não seja ele, possivelmente, o (anti)-herói mais nulo da história, sem quase nenhum êxito ao longo de 50 anos de quadradinhos. Mas foi com ele – em torno dele, mais exactamente – que Charles Monroe Schulz desenvolveu uma das mais notáveis galerias de personagens e um dos mais espantosos universos das histórias em quadradinhos, um autêntico “microcosmos”, como os classificou o insuspeito Umberto Eco, “uma pequena comédia humana, tanto para o leitor inocente como para o leitor sofisticado”.
E estes dois níveis de leitura (pelo menos…) são um dos segredos do sucesso dos pequenos “amendoins” (tradução literal de “peanuts”, nome imposto pelo United Features Syndicate, que Schulz sempre abominou) que ao longo de quase cinco décadas e das 17.897 tiras diárias e pranchas dominicais integralmente escritas e desenhadas por ele mantiveram um assinalável nível de qualidade, chegando, no seu apogeu, a mais de 2.500 jornais de todo o mundo, estando traduzidos em 25 línguas (incluindo o latim!) e em 75 países, tendo os seus livros vendido mais de 300 milhões de exemplares.
Neles, aquele leitor simples citado por Eco, diverte-se com os sucessivos fracassos de Charlie Brown – a lançar um papagaio, junto dos amigos, a jogar basebol, a chutar uma bola de futebol americano ou a conseguir chegar à fala com a rapariguinha de cabelo ruivo – repetidos à exaustão, sempre com desfechos diferentes, sempre com resultados iguais: o falhanço. E também com a maldade de Lucy, a sua indiferença como psiquiatra, o sempre surpreendente Snoopy, tão capaz de se portar como um cão tanto quanto como um ser humano, dormindo no tecto da casota, escrevendo à máquina romances de sucesso, assumindo a identidade de um ás da aviação da I Guerra Mundial em luta contra o terrível Barão Vermelho, o piano de Schroeder, o cobertor de Linus, o nonsense de muitas situações...
Quanto ao leitor sofisticado – embora se divertisse igualmente com as situações atrás descritas – apreciaria igualmente como com um grupo de crianças – a série esteve para se chamar “Li’l folks” (“gente pequena”) – e um cão, Snoopy, que progressivamente ocupa o lugar de consciência crítica do conjunto, Schulz foi capaz de criar um retrato tão próximo quer do seu mundo, quer do mundo adulto. Porque dotou cada um com características do ser humano, inspirando-se para isso em familiares e amigos e vertendo muito da sua própria vida para as situações retratadas nos quadradinhos. Ele próprio o afirmou: “desenhei os Peanuts pela mesma razão que Beethoven compôs as suas sinfonias, porque era a minha vida”. Para o pior e para o melhor pois Schulz era propenso a crises de depressão e de amarga solidão que frequentemente influenciaram a tira. Por isso, se os Peanuts podem ser ternos, meigos, engraçados, amigos, interessados, disponíveis ou altruístas, também conseguem ser maus, egocêntricos, cruéis, amargos, egoístas, ressentidos ou injustos.
Esta dualidade, está também presente ao nível das temáticas. Se por um lado são os pequenos nadas quotidianos que ocupam Charlie Brown e os seus companheiros, por outro, são recorrentes na série – tratados de forma enganadoramente leve e divertida - temas como o crescimento, a velhice, a morte, o futuro (assustador), os sonhos, as relações, as ambições… Para além disso, ao longo dos anos, Schulz foi capaz de actualizar a série, introduzindo nela os avanços e as invenções que o homem foi criando, como a televisão, o microondas ou a chegada à Lua, em que Snoopy precedeu os astronautas da Apolo XI e mesmo… o gato do vizinho!
Graficamente, se se pode classificar de minimalista o traço de Schulz, já que “os seus desenhos não passavam de rabiscos, meia dúzia de traços pouco mais elaborados do que as figuras de pauzinhos das crianças”, como escreve Walter Cronkite na introdução do segundo tomo de “Peanuts – Obra Completa”, e se muitas vezes os fundos das vinhetas se encontram vazios ou quase, a verdade é que o seu desenho é extremamente legível e expressivo, funcionado com toda a auto-suficiência nas muitas tiras sem qualquer palavra.
Finalmente, Schulz deixou que os seus heróis se libertassem do papel, saltando para o cinema de animação em mais de quatro dezenas de bem conseguidas longas-metragens, um musical da Brodway ou um espectáculo no gelo, transformando-os em apetecíveis marcas que serviram para publicitar tudo o que se possa imaginar e também para apoiar as causas que julgou meritórias. Por isso dificilmente algum de nós se pode gabar de nunca ter tido em sua casa um ou outro artigo com Snoopy ou Charlie Brown estampados, mesmo que nunca tenha lido qualquer das suas tiras.
O que só se pode lamentar porque, pondo tudo o mais de lado, lembra Matt Groening, o criador dos Simpsons, fica “o que interessa: cinquenta anos de Peanuts propriamente ditos, a brilhante, atormentada e genuinamente divertida obra-prima de Schulz, impregnada de alegria e mágoa”. E na qual nos podemos reconhecer, seja nos fracassos de Charlie Brown, na irritabilidade de Lucy (que nunca tem dúvidas e raramente se engana…), na insegurança do intelectual Linus, no virtuosismo de Schroeder, na dificuldade comunicacional de Woodstock e, pontualmente – felizes de nós – na multiplicidade de Snoopy porque, ainda segundo Cronkite, “o maior dos truques mágicos de Schulz foi dar vida a todas aquelas criaturas maravilhosas com as quais povoou o nosso mundo e alegrou os nossos dias”.
Foi desse mundo, no qual teve “a felicidade de desenhar Charlie Brown e os seus amigos durante quase 50 anos”, realizando completamente os seus “sonhos de criança”, que Schulz se despediu, no último quadradinho que desenhou.

E sem dificuldade podemos fazer nossas as suas palavras: “Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy… nunca os poderei esquecer…”



(Texto publicado originalmente na revista NS, distribuída aos s´bados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

11/02/2010

Tarzan
















Pranchas Dominicais de Russ Manning
Vol. 1 – 1968-1970
Vol. 2 – 1970-1972
Bonecos Rebeldes (Portugal, Setembro de 2007 e Fevereiro de 2008)
240 x 340, 136 p., pb, brochada com badanas

Entre muitas leituras, incluindo algumas grandes obras que tenho compartilhado com os que se dão ao trabalho de me lerem, confesso que a que me deu maior prazer nos últimos tempos foi este Tarzan de Russ Manning.
Não por se tratar de uma excelente edição da Bonecos, em formato italiano, com excelente reprodução da arte de Manning.
Não pelo traço vigoroso, dinâmico e bem proporcionado do autor, que produziu o "mais limpo" Tarzan de sempre, rigoroso na reprodução de veículos, fantástico no tratamento dado a homens (e belíssimas mulheres) e animais, capaz de (quase) nos fazer sentir a humidade das verdejantes selvas africanas, o calor abrasador dos desertos, o nevoeiro denso dos mundos misteriosos que Tarzan descobre, os cheiros intensos de homens e animais, capaz de transmitir dor, raiva, fúria, alegria ou surpresa pela simples expressão dos rostos.
Não foi, ainda, pelas histórias, bem ritmadas e planificadas, que combinam episódios quase ecológicos com aventura pura, o estranho fascínio da selva com os mundos fantásticos que Burroughs imaginou, o confronto desigual entre as civilizações branca e negra.
Foi, apenas (?!), tão só (?!) porque nele reencontrei um dos meus heróis de juventude, o seu universo forte e sedutor, os brados arrepiantes de Tarzan, como "Kreegah!" ou "Bundolo", que preencheram muitas das minhas brincadeiras; porque nele relembrei imagens ou sequências completas, fortes e marcantes, que a minha memória guardou, como os combates com os homens-formiga, os homens primitivos de Opar, a sua sedutora rainha La debruçada sobre o homem-macaco deitado na pedra do sacrifício, Tarzan entrando em combate à frente dos seus animais, a sua selvagem celebração de vitória com os grandes macacos… Porque (re)descobri um encantamento que o tempo não foi capaz de apagar.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 21 de Outubro de 2007)

Na pista de Tarzan: Akim, Zembla e os outros

Há 60 anos, nascia Akim, herói de quadradinhos populares imaginado em Itália que, como muitos outros, antes e depois de si, bebia muita da sua inspiração no Tarzan imaginado por Edgar Rice Burroughs no início do século XX.
No caso de Akim, a colagem ao primeiro homem-macaco branco, era feita quase ao pormenor: os pais naufragaram na costa africana e foram mortos por feras, sendo o bebé adoptado por uma gorila. Cresceu entre os macacos, aprendeu a sua linguagem, desenvolveu uma assinalável musculatura e desenvolveu amizade com os animais. Tornou-se um justiceiro da floresta, temido pelos nativos, inimigo de traficantes e bandidos, mas também combateu sábios loucos e explorou civilizações perdidas, na senda da literatura popular de aventuras. E não hesitava em colocar temporariamente de lado a sua tanga feita de pele de leopardo para vestir roupas comuns e aventurar-se na selva urbana para combater delinquentes ou polícias corruptos. Durante as suas aventuras, partilhadas com um babuíno (Zig), um gorila (Kar), um elefante (Baroi) e um leão (Rag), descobriu ser herdeiro de uma grande fortuna, conheceu a bela Rita – com quem viveu “escandalosamente” durante anos sem se casarem (!) - e adoptou o pequeno Jim.
A sua estreia, a 10 de Fevereiro de 1950 foi na revista “Albo Gioello”, num formato semelhante ao dos cheques, criado pelo argumentista Roberto Renzi e o desenhador Augusto Pedrazza, que com ele granjearam grande popularidade, não só em Itália, mas igualmente na França e no Brasil. Com o novo alento que lhe deu a Sérgio Bonelli Editore, em 1976, a sua revista prolongou-se por 41 anos e mais de 750 números. Durante anos distribuído em Portugal em edições brasileiras, Akim teve uma edição nacional de curta duração, nos anos 70, da responsabilidade da Palirex.
Na senda do seu sucesso, numa óptica de concorrência, mas num tom mais paródico, em 1963, em França, nas páginas da “Special Kiwi”, nasceria Zembla, criado por Marcel Navarro e desenhado por diversos artistas italianos, entre os quais Pedrazza, o mesmo de Akim. Criado por leões, como traços distintivos tinha o cabelo negro e longo e uma tira de pele que lhe cruzava o tronco, e era acompanhado por um leão, um gato-selvagem, um canguru, um pigmeu e um mágico! O sucesso repetiu-se e Zembla – que gozou de enorme popularidade na… Turquia (!) - sobreviveu até 1994. Em Portugal foi publicado na colecção Tigre e teve tamb´m direito a revista nacional própria de algum sucesso, pois durou cerca de meia centena de números.
Mas as imitações do mito do selvagem branco, popularizado no cinema, especialmente nos filmes interpretados por Johnny Weissmuller, e na banda desenhada, com as inexcedíveis versões de Harold Foster, Burne Hogarth e Russ Manning, não se ficariam por aqui e teriam mesmo as mais díspares origens e desenvolvimentos. Entre elas, conta-se também “Korak”, o filho (legítimo, com Jane) de Tarzan, também criação de Burroughs, que nos quadradinhos viveu aventuras a solo ou em conjunto com o(s) seu(s) progenitor(es), a partir dos anos 60, muitas delas publicadas em português, inclusive em revista própria, por onde também passou o talento de Manning.
Nalguns casos com variantes, como “Fishboy: Denizen of the Deep”, um comic inglês publicado entre 1968 e 1975, escrito por Scott Goodall, cujo protagonista, abandonado numa ilha deserta, foi adoptado por tubarões, conseguindo comunicar com eles e respirar debaixo de água.

Diferente também era Yataca, criação francófona do mesmo período mas de maior longevidade, que nos primeiros episódios narrava as aventuras de uma criança selvagem na Amazónia. Ao fim de uma vintena de números, sem qualquer explicação, tornou-se adulto e mudou-se para África. Entre os seus desenhadores conta-se o português Vítor Péon, tendo alguns episódios da sua autoria sido publicados pela Portugal Press, numa publicação com o nome do herói. No mesmo registo, Péon criaria também Zama, cuja existência foi no entanto bastante curta.
A Marvel tem também o seu bom selvagem, Ka-Zar, “clone” de Tarzan criado em 1936 por Bob Byrd; três décadas mais tarde, foi remodelado por Stan Lee e Jack Kirby, que o transportaram para a Terra Selvagem, uma zona de clima tropical em plena Antártida onde ainda existem dinossauros, dando-lhe por companhia Zabu, um tigre dentes-de-sabre. A sua integração no universo Marvel proporcionou-lhe
aventuras com o Homem-Aranha ou o Demolidor.
Entre as versões de Tarzan mais curiosas conta-se "Jungle no Ouja Ta-chan", um manga (bd japonesa) criado por Tokuhiro Masaya que originaria uma versão animada de tom humorístico em que o “herói”, trapalhão e casado com uma obesa e mandona Jane, podia ser visto a lavar e estender roupa. Animada, também, e bem mais ligeira foi a versão da Disney, cujo filme, datado de 1999, originaria uma série televisiva com a sua infância e uma versão aos quadradinhos.
A um outro nível, refira-se Karzan, uma versão pornográfica do senhor da selva de origem franco-belga, que teve direito a edição nacional logo a seguir ao 25 de Abril com capas do pintor Carlos Alberto Santos.
No campo das curiosidades, refira-se que nos anos 90, na febre dos “crossovers”, Tarzan, ele próprio, o original, viveria nos quadradinhos incongruentes (pelo menos...) parcerias com Batman, Superman ou Fantasma e defrontaria mesmo o cinematográfico Predator…
Mas não se pense que apenas os homens emularam Tarzan, pois as suas versões femininas também abundam nas histórias aos quadradinhos.
Rima, a primeira “mulher selvagem”, aliás, é até anterior à criação de Burroughs, uma vez que protagonizou “Green Mansions: A Romance of the tropical forest”, um romance de William Henry Hudson datado de 1904, ou seja oito anos antes de “Tarzan of the Apes”. Seria no entanto preciso esperar quase mais sete décadas para ver esta heroína nos quadradinhos, por onde entretanto já tinham passado muitas congéneres suas como Shanna the she devil (uma heroína da Marvel), Judy, Tygra, Jann, Tiger Girl, Rulah ou Kara, todas elas “senhoras da selva”, que associavam ao exotismo natural do tema uma sensualidade inevitável face à sua reduzida indumentária.
Entre todas, no entanto, a mais famosa é sem dúvida Sheena, queen of the jungle, ou não tivessem sido os seus criadores Will Eisner (o mesmo do incontornável Spirit) e Jerry Iger. Sheena, aliás, foi a primeira heroína anglo-saxónica da banda desenhada a ter uma revista com o seu nome, logo em 1937, ano da sua criação, tendo tido diversas reedições e novas versões até à actualidade, entre as quais se destacam as assinadas por Dave Stevens e Frank Cho.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 10 de Fevereiro de 2010)

10/02/2010

Séraphin et les animaux de la forêt + Humphrey Dumbar le croquemitaine

Praticamente ignorada por cá (quando não vilipendiada ou exorcizada – vade retro quadradinhos!) a banda desenhada infantil é fundamental, não só como complemento na iniciação à leitura, mas também para a criação de novos públicos para a 9ª arte.
Banda desenhada infantil, escrevi atrás, no sentido de adequada – em termos de escrita, de temática, de desenho… - não infantilóide, como se escrita a pensar em seres com dificuldades de compreensão, para não dizer mais…
Atento a isto, o mercado francófono recebe regularmente títulos para este segmento, até para combater a influência crescente dos manga junto dos mais novos.
Eis dois exemplos que mostram na prática duas formas de o concretizar.

Séraphin et les animaux de la forêt
David Chauvel (argumento)
Jérôme Lereculey (desenho)
Louise (cor)
Delcourt (França, Março de 2008)
320 x 240 mm, 62 p., cor, cartonado

O primeiro, “Séraphin et les animaux de la forêt”, tem carácter lúdico/didáctico, sem que isso signifique ser maçudo ou aborrecido. Pelo contrário.
Espécie de pequena enciclopédia animal, traça em histórias breves de 6 páginas, ao longo das quais somos guiados por um pequeno gomo da floresta, cuja altura serve de escala para os animais retratados, entre os quais a raposa, o cervo, o esquilo, a cobra ou o mocho, fornecendo sobre eles um sem número de informações, do tamanho ao tempo de vida, da alimentação ao habitat, mas sem cansar dada a forma leve e mesmo divertida como Chauvel, um dos argumentistas mais profícuos e heterogéneos da Delcourt, consegue dilui-la. Para isso contribui em muito a planificação dinâmica e extremamente movimentada da obra, que alterna entre grandes plano, planos de conjunto, close-ups aos animais ou cortes dos terrenos onde eles vivem, tudo associado ao traço realista e muito agradável de Lereculey, servido por belas cores.

Humphrey Dumbar le croquemitaine
Emmanuel Civiello (argumento e desenho)
Delcourt (França, Março de 2008)
300 x 230 mm, 32 p., cor, cartonado


De comum com este título, para além da editora e do público-alvo, “Humphrey Dumbar le croquemitaine“, tem também um autor consagrado, o belga Emmanuel Civiello, de quem a Vitamina BD tem no catálogo “Korrigans” e “Sementes de loucura”.
Esta é a história de um papão, que passa as noites a assustar meninos para se alimentar os seus gritos e choro. Até que uma noite, um miúdo mais corajoso se esconde no seu saco, acabando por ir parar ao mundo mágico dos contos onde ele vive, cujas leis e equilíbrios vai alterar, numa narrativa leve e divertida, ritmada e dinâmica, com um final inesperado.
O traço de Civiello, ao mesmo tempo evocador de monstros e temores, quanto de seres ternos, como Jimmy, o rapazinho corajoso, e do mais mágico que o imaginário infantil pode conter, é o ideal para dar corpo a uma história que nos faz sonhar com mundos em que um dia vivemos.

(Versão revista e actualizada do texto publicado originalmente no BDJornal #23 – Verão de 2008)

09/02/2010

Caminhando com Samuel

Tomi Musturi (argumento e desenho)
Mmmnnnrrrg (Portugal, Outubro de 2009)
205 x 205 mm, 140p., cor, cartonado


Durante anos considerada como literatura menor ou para crianças, também pela menor presença de texto (escrito…) a banda desenhada tem neste livro (mais) um exemplo de como aquele pressuposto era profundamente errado. Porque a ausência – total - de texto está longe de o aconselhar a crianças, mesmo tendo em conta os seus chamativos desenhos…
Belo objecto, disponível apenas nalgumas livrarias especializadas ou na Chili com Carne (www.chilicomcarne.com), fruto de uma (improvável) co-edição luso-sueca-belga-finlandesa (!) é falsamente apresentado como “um livro universal porque é mudo (sem palavras)”, uma vez que para o ler é necessário possuir o saber que permite descodificar a linguagem própria dos quadradinhos e porque a interpretação dessa leitura é tudo menos pacífica. Isto porque de Samuel, o protagonista, não sabemos nada. Quem é? De onde vem? Para onde vai? Quando e onde viveu? O que faz nas páginas deste livro? Tudo depende da interpretação (permitida pela bagagem sócio-cultural) de cada leitor, pois se o podemos associar à criação divina, também está patente na narrativa o princípio do big-bang, se nele há algo de sobrenatural, também o identificamos como afirmação do individualismo e do experimentalismo humanos, em diferentes épocas e contextos, em situações umas vezes lineares, outras completamente anacrónicas.
Jogando com as cores, formas, movimento e expressão corporal de Samuel, para narrar, definir tempo e espaço e transmitir sentimentos e emoções, Musturi cria pranchas visualmente atraentes, graças às cores quentes e fortes, apesar de uma planificação bastante rígida, que oscila entre quatro vinhetas (iguais) por prancha e pranchas duplas, mas que obrigam a sucessivas (re)leituras. E que, uma vez voltada a última página, deixam a dúvida (a angústia…?) se o que nós lemos/interpretamos era o que o autor pretendia transmitir.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Fevereiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

05/02/2010

Asteroid Fighters, Tomo 1 - O Início

Rui Lacas (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Outubro de 2009)
205 x 293, 77 p., cor, cartonado

Depois de várias obras neo-realistas de temática humana e social, entre os quais o muito interessante “Obrigada, patrão”, Rui Lacas, um dos valores seguros da moderna banda desenhada portuguesa, surpreende com este relato misto de antecipação cientifica e de super-heróis, de que este álbum é apenas o inicio, de uma (prevista) trilogia. Da história e do projecto, que prevê uma eventual edição em formato comic-book nos EUA e num eventual álbum integral em França…
Mantendo o seu estilo gráfico, apoiado num traço grosso linha clara, de cores quase sempre vivas, uma planificação dinâmica e multifacetada, com a utilização de múltiplos enquadramentos, aqui apoiados por uma utilização da cor e das sombras mais cuidada, Lacas, que mantém uma grande originalidade nas (eficazes) onomatopeias, leva-nos até 2112. Nesse futuro (im)possível(?), a Terra tem à sua frente um governo mundial de unidade, no seguimento de um cataclismo provocado pela queda de um asteróide um século antes e que, se causou muitas mortes e destruiu as cidades costeiras, teve o condão de unir a humanidade na luta pelos interesses comuns.
Para evitar a repetição da catástrofe, foram desenvolvidos estudos que levaram à criação de uma raça de super-seres, os Asteroid Fighters que dão título à obra. E cuja missão urge mais do que nunca, quando um misterioso ser começa a bombardear o nosso planeta com asteróides artificiais. Recheada de citações (em especial a registos de comics e manga) e homenagens – aos amigos que trabalham com ele no estúdio e aos “verdadeiros” super-heróis -, a história, ritmada, divertida e recheada de momentos de tensão e suspense, desenvolve-se a bom ritmo, com a informação necessária para a sua compreensão bem diluída nos diálogos, um dos aspectos em que Lacas, mais uma vez, brilha, cumprindo com distinção o seu objectivo: divertir e entreter.
O que não é pouco, nos dias que correm, ficando o voto que os restantes tomos chegues depressa, porque este, fazendo muitas perguntas e dando poucas respostas, deixa água na boca.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 30 de Janeiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

04/02/2010

Entrevista com Jorge Coelho

Recém-chegado ao mercado norte-americano e às lojas especializadas nacionais (que o encomendaram) o segundo tomo de “Forgetless”, uma mini-série em 5 números editada pela Image Comics, conta entre os seus desenhadores o português Jorge Coelho.

- Como foste escolhido para desenhar esta mini-série?
Jorge Coelho
- O argumentista, Nick Spencer, conheceu o meu trabalho através do “EGG - Hard Boiled Stories” que fiz com o Eric Skillman para a NYCC 09, com quem tinha feito um workshop de escrita criativa. Mais tarde viu o meu trabalho na Deviantart (jcoelho.deviantart.com), gostou e contactou-me via e-mail.
- Mas desenhaste apenas uma parte dela…
Jorge Coelho -
Como a história é contada por "flashbacks" saltando entre o presente e o passado, o argumentista decidiu experimentar artistas diferentes para diferentes ambientes e histórias dentro da trama geral. Para além de 16 pranchas no tomo #2 e outras tantas no #4, irei participar também no nº5 (o último da mini-série) com 8 páginas extra, que não estavam inicialmente planeadas...
- Que técnica utilizaste?
Jorge Coelho -
A nível visual, tive o privilégio de usufruir de liberdade criativa para escolher o processo e equipa. Assim sendo, trabalhei com uma técnica particular que tenho vindo a usar: desenhei a lápis, arte-finalizei (tradicionalmente), digitalizei e dei os cinzentos (digitalmente) a todas as páginas, no fundo a modelação de luz/sombras, aos quais o Eric Skillman (ericskillman.blogspot.com), designer da Criterio Collection, argumentista e neste caso, "color designer" atribuiu as cores.
- Qual o tema de “Forgetless”?
Jorge Coelho -
"Forgetless" é o nome de um clube nocturno exclusivo, que irá encerrar com uma última festa. Toda a trama gira em torno dos acontecimentos dessa noite, contada por um rol de personagens adolescentes. Não se pode dizer que haja um personagem principal, o leitor irá espontaneamente gostar ou antipatizar mais com um determinado personagem, pois estes são bastante controversos. Duas modelos tornadas assassinas, dois estudantes pervertidos, um Koala sexo dependente ou um produtor de TV ex-gay, entre vários... toda uma bizarra fauna urbana, portanto.
- Queres referir mais alguma especificidades interessantes do projecto?
Jorge Coelho -
Convém sublinhar o cariz bastante actual da história na qual se usam adereços contemporâneos como vídeos do YouTube, Tweets e SMS, via iPhones para veicular a narrativa. Recursos ainda muito pouco explorados.
- Já houve reacções ao teu trabalho?
Jorge Coelho -
Ainda muito poucas; houve bastantes reacções ao primeiro nº da série, no qual não participei. Penso que só no fim desta é que se fará uma crítica mais compreensiva da obra e dos artistas.
- Actualmente tens algum projecto em curso?
Jorge Coelho -
Temos uma ideia para um conto, eu e o Eric Skillman. Simultaneamente, mantenho-me a fazer histórias curtas escritas por mim, para mais tarde compilar em livro.

(Versão integral da entrevista que serviu de base ao publicado no Jornal de Notícias de 2 de Fevereiro de 2010)

03/02/2010

Bad Atmosphère

Jean-Christophe Chatton (argumento)
Joel Alessandra (desenho)
Paquet (Suíça, Novembro de 2009)
235 x 315 mm, cor, 64 p., cartonado

Resumo
Londres. Mickael Vicklert, director de um grande grupo petrolífero é assassinado em plena rua juntamente com o seu motorista. Qual o motivo? Ajuste de contas passional ou profissional, vingança pessoal ou crime ecologista?
Julian Hawkes, detective de sucesso da Scotland Yard devido à recente prisão de um assassino em série, é encarregado do caso. A sua investigação leva-o à França e ao Chade, onde crimes similares foram cometidos, e ecos de atentados semelhantes, no Brasil, Chile ou Estados Unidos, vão também chegando ao seu gabinete.
A par do difícil inquérito, Hawkes tem também que gerir a sua vida pessoal, abalada pelo recente divórcio e consequente afastamento da filha de 8 anos, e a forma como estabelece relações com as mulheres.

Desenvolvimento
Narrado ao estilo de séries televisivas em voga, com as CSI à cabeça, este é um relato bem construído, em que o leitor vai recebendo as informações ao mesmo tempo que o detective – embora nalguns casos “assista” aos crimes de que o agente apenas conhece a narração - vendo como as pistas se acumulam e, a partir de certo ponto, se parecem excluir, em especial quando é efectuada uma prisão nos EUA. Isto prende o leitor e torna a leitura agradável e bem fluida, mesmo tendo em conta que parte do desfecho é-nos narrado logo na primeira prancha. A motivação para os crimes é também interessante: responder aos crimes contra a natureza que o ser humano – em especial as grandes companhias movidas pelos interesses económicos – comete diariamente. Aliás, é por isso que a editora o classifica como um “thriller ecológico”, sendo a narrativa complementada por vinhetas/pranchas com grafismo diferente e informação verídica sobre situações alarmantes no nosso planeta.
A par da narrativa policial, os autores entreabrem-nos a porta da vida privada de Hawkes, recém-divorciado por se dedicar mais à profissão do que à família, e a sua dificuldade em assumir as suas relações - no feminino – seja com a filha de 8 anos, de que diz ter saudades mas que não procura, seja com as várias mulheres com quem contacta, que facilmente seduz mas com quem evita qualquer compromisso, o que ajuda a definir de forma completa e consistente o seu carácter.
E como tantas vezes acontece em histórias de cariz policial, acaba por ser uma coincidência a pôr Hawkes na pista certa, sendo o assassino quem menos se espera… e o desfecho também inesperado.
O traço de Joel Alessandra encerra em si alguma contradição. Por um lado, analisado de perto, elemento a elemento, é pouco convincente, revelando diversas falhas em termos de proporções, poses, acabamentos e mesmo de estilo, quase sempre caricatural e apenas semi-esboçado, aqui e ali mais realista e apurado. No entanto, no seu conjunto – das vinhetas, das páginas – enquanto um todo, revela-se funcional, devido à composição das pranchas e à aplicação das cores e, especialmente, bastante legível, o que mostra mais uma vez que um bom autor de banda desenhada não precisa de ser um grande desenhador...

A reter
- A legibilidade do álbum.
- O ritmo e dinâmica da narrativa.
- O bom trabalho com o lápis de cor nas vinhetas “realistas” que mostram uma faceta mais “artística” de Alessandra.

Menos conseguido
- Alguns aspectos do desenho, quando vistos ao pormenor.
- A falta de uma explicação cabal quanto à forma como os crimes foram “encomendados”.

Curiosidades
- Este álbum foi apoiado pela Caisse d’Éargne, no âmbito do concurso “Gang des talents 2008”, um apoio traduzido na sua maior “mediatização”.
- Um vídeo-anúncio do álbum pode ser visto aqui.

02/02/2010

Os Anos Sputnik



O penalti
Eu é que sou o chefe!
Bip Bip!
Baru (argumento e desenho)
Edições Polvo (Portugal, Fevereiro e Outubro de 2002 e Abril de 2003)
220 x 297 mm, 48 p., cor, brochado

1957. 4 de Outubro. A União Soviética surpreendia o mundo ao colocar o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1, a dar as primeiras voltas à Terra.
Nesse mesmo ano, nessa Terra, mais concretamente em França, um certo Hervé Barulea comemorava 10 anos. Tornar-se-ia conhecido, anos mais tarde, no mundo da banda desenhada pelo diminutivo de Baru, e seria apresentado aos portugueses no XI Salão de BD do Porto, em 2001.
E porquê ligar estes dois factos? Para o explicar, é melhor falar de uma pequena vilazinha francesa, de seu nome St. Claire, onde existem dois bairros. “Há uma parte baixa, onde vivem os da ‘parte-de-baixo ‘ e há uma parte alta “onde vivemos nós, os da ‘parte-de-cima’...”. Isto diz-nos Igor, o protagonista de “Os anos Sputnik”, uma série (auto-biográfica…?) criada por Baru, de que as Edições Polvo publicaram três dos quatro volumes originais.
No tal ano de 1957, a televisão ainda não era omnipresente como hoje (que sorte que eles tinham!), não existiam jogos de computador nem “play-stations”... Mas já havia futebol e uma grande competição entre os miúdos ‘de cima’ e os miúdos ‘de baixo’. Competição ou rivalidade, como queiram. Por isso, quase sempre tudo terminava em luta, renhida, resolvida sem quartel, com umas quantas nódoas negras e uns narizes a pingar sangue. Entre uns e outros, porque ninguém quer perder, seja o que for; entre eles próprios, para saber quem deve ser o chefe.
É isto que Baru nos conta em "Os anos Sputnik", com a ternura e a emoção de quem recorda os seus próprios dez/doze anos, e com a lucidez de quem se distancia, transmitindo ao papel crónicas de tempos passados, em narrativa intensa e corrida, em desenhos ágeis, nervosos, plenos de vida e movimento.
Crónicas para ler, porque todos fomos miúdos um dia - pobres daqueles que não o são na altura própria -, e os ‘de cima’ e os ‘de baixo’ não são assim tão diferentes de todos os outros, do que nós fomos...
Crónicas para recordar aquele tempo maravilhoso em que um pequeno nada (um penalti defendido...) fazia de nós heróis, com direito a estátua e tudo (pelo menos aos nossos olhos), aquele tempo em que um beijo inesperado nos deixava a sonhar acordados uma noite inteira.

Curiosidade
- No primeiro tomo da edição portuguesa, no título, “Sputnik” surge com a grafia francesa “Spoutnik”.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Dezembro de 2002)

01/02/2010

As Melhores Leituras de Janeiro

Asteroids Fighters (ASA), de Rui Lacas (argumento e desenho);
Bad Atmosphère (Paquet), de Jean-Christophe Chatton (argumento) e Joel Alessandra (desenho);
J. Kendall #56 - Aventuras de uma criminóloga (Mythos), de Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)e Valerio Piccioni e Laura Zucchi (desenho)

Caminhando com Samuel (Mmmnnnrrrg), de Tomi Musturi (argumento e desenho);
L'Ancien temps #1 – le roi n’embrasse pas (Gallimard Jeunesse ), de Joann Sfar (argumento e desenho) ;
L'Obéissance (Futuropolis), de Frank Bourgeron (argumento e desenho, a partir do romance de François Sureau)
Peanuts – Obra Completa (1959-1960) (Afrontamento), de Charlles Schulz (argumento e desenho);
Sutures (Delcourt), de David Small (argumento e desenho);
Tex Colecção #242/#243 (Mythos), de Guido Nolitta (argumento) e Aurelio Galleppini (desenho)

Grande Prémio de Angoulême para Baru

Após quatro dias intensos em que a banda desenhada reinou, o 37º Festival Internacional de BD de Angoulême encerrou ontem as suas portas com uma boa notícia para os amantes da 9ª arte: Hervé Baruléa, mais conhecido como Baru, foi distinguido com o Grande Prémio de Angoulême. Por esse motivo, presidirá à edição de 2011, que se antevê desde já como popular e com uma banda sonora de rock and roll. Após dois anos voltado para a chamada nova banda desenhada, o festival aposta num autormilitante das causas em que acredita, à margem de correntes e estéticas, mas também consagrado, consensual, popular e original. Já distinguido duas vezes com o prémio para melhor álbum, por “Le Chemin de l’Amérique” (1991) e “L’Autoroute du Soleil” (em 1996), possui um traço não muito atraente mas extremamente eficaz e dinâmico, para contar histórias de gente simples, muitas vezes marginal, com os (sub)mundos do boxe e da música como fundo recorrente. Nascido em 1947, Baru iniciou-se como autor de BD na revista “Pilote”, em 1982, foi convidado de honra do XI Salão Internacional de BD do Porto em 2001 e tem três dos quatro tomos de “Les années Spoutnik”, uma banda desenhada autobiográfica sobre a sua infância, editados no nosso país pela Polvo. Eis o palmarés oficial completo do 37º Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême :
* Grand Prix : Baru * Prix du Meilleur Album (Fauve d’Or ) : Pascal Brutal (T3 : Plus Fort Que les Plus Forts) de Riad Sattouf, Fluide Glacial (esta série poderá vir a ser editada pela ASA) * Prix spécial du Jury (Fauve d’Angoulême) : Dungeon Quest de Joe Daly, L’Association * Prix de la Série (Fauve d’Angoulême) : Jérome K. Jérome Bloche (T21 : Déni de Fuite) d’Alain Dodier, Dupuis. * Prix Révélation (Fauve d’Angoulême) : Rosalie Blum (T3 : Au Hasard Balthazar !) de Camille Jourdy, Actes Sud * Prix Regards sur le monde (Fauve d’Angoulême) : Rébétiko, La Mauvaise Herbe par David Prudhomme, Futuropolis * Prix de l’Audace (Fauve d’Angoulême) : Alpha... Directions de Jens Harder, Actes Sud * Prix Intergénérations (Fauve d’Angoulême) : Messire Guillaume - L’esprit Perdu de Matthieu Bonhomme et Gwen de Bonneval, Dupuis * Prix du Jury (Fauve Fnac-SNCF) : Paul (T6 : Paul à Québec) de Michel Rabagliati, La Pastèque
* Prix jeunesse (Fauve d’Angoulême) : Lou (T5 : Laser Ninja) de Julien Neel, Glénat. * Prix du patrimoine (Fauve d’Angoulême) : Paracuellos (L’Intégrale) de Carlos Gimenez, Fluide Glacial (Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 1 de Fevereiro de 2010)
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