“Porque queremos pensar que a nossa vida é uma viagem como a da água.”
In Como viaja a água
Mas a verdade é que a nossa vida, ao contrário da água, “que nunca desaparece, que encontra sempre o
caminho de volta” não se renova, caminha inexoravelmente para um fim, como
todos descobrimos, “um belo dia, quando
já somos tão velhos, que tudo nos é indiferente”. É nessa altura que
percebemos “que a chuva que” nos “cai em cima nunca é a mesma”.
E quando descobrimos que a nossa vida está prestes a entrar
pelo ralo, ir pelo cano abaixo e desaparecer, junto com dezenas, centenas,
milhares, milhões de outras vidas, o que nos resta? “A ilusão que se esfuma”? “As
nossa próprias e sofisticadas mentiras, aperfeiçoadas durante séculos”?
Este é o tema central de Como
viaja a água, obra de estreia de Juan Diaz Canales, que já conhecíamos como
argumentista consagrado de Blacksad ou de
Sous le soleil de minuit, que marcou o
regresso de Corto Maltese.
Obra de tom policial, com análise sociológica como pano de
fundo (ou será o contrário?), foca-se nos assassinatos sucessivas dos
companheiros de Aniceto, octagenários sobreviventes da Guerra Civil, da II
Grande Guerra, das guerras quotidianas a que chamamos vida… – sobreviventes,
tão só.
Desencantados com a vida, dedicados a furtos residuais e ao
pequeno tráfico para se sentirem vivos, Aniceto e os companheiros sentem o
cerco a apertar-se (a morte a aproximar-se).
Eterna e teimosamente zangado com o filho – médico legista
na polícia à beira da reforma – de quem tudo o afasta, dos ideais políticos e
sociais à religião, mas próximo do neto, em quem se revê, que espera o primeiro
filho e que admira as suas convicções, o protagonista vive revoltado com a
vida, com os outros, com tudo – como forma de afirmação e de continuar vivo…
Confirmação do (bom) escritor e revelação de um (mais que) competente
desenhador, numa obra pessoal que se adivinha que só a solo fazia sentido, ancorado
na (reconhecível) Madrid dos nossos dias e numa Espanha (também) em crise, este
relato é acompanhado por um traço a preto e branco expressivo e realista quanto
baste, que reforça o tom de impotência e o sofrimento que ao longo dele perpassa.
Mas, apesar do seu tom melancólico e desencantado, Como viaja a água, uma (aconselhável) surpresa
editorial neste regresso de férias, acaba por afirmar uma réstia de esperança,
num final que afirma a crença na vida, sempre renovada.
Como viaja a água
Juan Diaz Canales
Arte de Autor
Portugal, Setembro de 2016
175 x 275 mm, 108 p., pb, capa dura
ISBN: 978-989-20-6811-4
15,95 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)
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