Poder(es)
Uma (oportuna) coincidência, face ao ruído de fundo da
actualidade nacional, fez com que terminasse a leitura integral (até agora) da
série Le Scorpion, a tempo de
publicar hoje este texto hoje sobre uma série em cuja base está o retrato da
forma como a Igreja Católica – os seus responsáveis - sempre colocaram à frente
da sua missão original – proteger e servir os desamparados e os necessitados –
valores bem mais materiais e terrenos como o dinheiro, o poder, as influências
ou o próprio sexo.
Para o bem e para o (nosso) mal esta é uma série que marcou
a última década e meia na banda desenhada franco-belga.
Para o mal, porque foi uma das muitas séries que a ASA – na
peugada do que já tinha (exemplarmente mal) iniciado a Meribérica – deixou
incompleta. Em português foram publicados os seis primeiros álbuns dos onze
(+1) já lançados em França.
Para o bem, porque tem o grafismo de um magnífico
desenhador, o suíço Marini, cujas pinceladas largas definem os traços de homens
corajosos e sensuais mulheres e fazem reviver a Roma violenta e conspirativa do
século XVIII.
A acção, embora sempre centrada no Vaticano, numa primeira
fase – e nenhuma das três que se podem definir é estanque - leva o
protagonista, o Escorpião, o homem que possui no ombro direito, uma marca que
evoca o animal que lhe dá o apelido – a marca do Diabo, prova do pecado dos
seus pais… - um profundo conhecedor dos primeiros séculos do cristianismo, um
pesquisador de relíquias cristãs – verdadeiras ou falsas pouco importa – e um
sedutor irresistível, a percorrer boa parte dos locais que os cristãos dos
primeiros séculos calcorrearam, em busca de uma prova – a verdadeira cruz onde
Pedro foi crucificado – que impedisse a subida ao papado de Monsenhor Trebaldi.
Porque, a série Le Scorpion, antes de tudo o mais – e aqui
cabe dizer que é uma série de aventura e acção – centra-se nas intrigas entre
as diversas facções eclesiásticas que na sombra do Vaticano se degladiam para
colocar no poder – como Papa – aquele que melhor sirva os seus interesses
terrenos, que consiga perpetuar o imenso poder terreal das hostes católicas, que mehor uso dê (à dita) santa Inquisição)
Gorado esse primeiro intento, após uma longa saga, recheada
de acção e peripécias, num segundo momento o empenho do protagonista passa por
descobrir quem foi o seu pai e porque razão a sua mãe acabou condenada ao
martírio da fogueira, num conturbado mergulho no passado, cujo sucessivo
desvendar de segredos, infâmias e traições lhe dará uma resposta díspar daquela
que o leitor crê rapidamente adivinhar e que colocará sobre os ombros do
Escorpião um peso que ele esteve longe de imaginar..
Finalmente, naquele que poderíamos chamar um terceiro ciclo
– ainda em curso – é abordada a luta fratricida que nove poderosas famílias
travam desde a antiguidade pelo domínio político – e por arrastamento -
eclesiástico de Roma, uma luta feita de alianças interesseiras e traições, de
casamentos e violações, de assassínios contratados, negócios, roubos e conluios…
A par deste enredo, que se vai tornando progressivamente
mais complexo à medida que se expande no tempo e no espaço, e da já citada
dimensão de aventura e acção, que proporciona uma leveza – que não
ligeireza - a uma leitura mais
desapegada, Le Scorpion, assente num
lote alargado de personagens fortes, entre amigos, adversários e parceiros
pontuais, que vão assumindo o
protagonismo em diferentes momentos da narrativa, apresenta um protagonista
dividido entre o amor – e o sexo - com diversas mulheres (Maria Ange, Rosianna,
Mejai, Ansea…), belas sensuais, provocantes, mas também fortes e de carácter
bem definido, e uma conseguida recriação de época. E a tudo isto acrescenta uma
intriga complexa – embora aqui e ali desnecessariamente distendida – cujos
matizes vão mudando, criando assim novos desafios ao leitor e mantendo-o sempre
preso do desenrolar da trama.
Nota final
Os primeiros seis volumes da série foram publicados em
português, o primeiro pela Meribérica, os restantes pela ASA.
Em francês, a Dargaud, para além da edição normal, publicou
dois integrais que comportam os primeiros dez álbuns.
Existe igualmente um
volume extra, Le procès Scorpion, não
banda desenhada mas sim texto ilustrado, que acompanha o inquérito levado a
cabo por um inquisidor em torno da figura do Escorpião, baseado em sucessivas
entrevistas com alguns dos intervenientes que, apesar de constituir uma leitura
agradável – que só faz sentido no conjunto da série - pouco ou nada acrescenta ao que
foi já narrado na banda desenhada.
Le Scorpion
Desberg (argumento)
Marini (desenho)
Dargaud, França
La Marque du Diable (2000)
Le Secret du Pape (2001)
La Croix de Pierre (2002)
Le Démon au Vatican (2004)
La Vallée sacrée (2004)
Le Trésor du temple (2005)
Au nom du père (2006)
L'Ombre de l'ange (2008)
Le masque de la vérité (2010)
Au nom du fils (2012)
La Neuvième Famille (2014)
Le Procès Scorpion (2007)
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda sua extensão)
Isso é tudo muito bonito, mas quando é que sai o resto da coleção em português?
ResponderEliminarNem qe seja por outra editara!
À informações a esse respeito?
Comprimentos.
Não, não há qualquer informação a esse respeito, nem me parece que algum dia esta colecção seja concluída no nosso país. Infelizmente.
EliminarBoas leituras!
Uma excelente série que continuei a comprar em francês, de modo a acompanhar as aventuras paradas na edição 6.
ResponderEliminarInfelizmente a ASA tem sido muito inconstante e de pouca confiança.
A série Gipsy é composta por 6 livros, dos quais 5 foram publicados em PT. Até à data nunca lançaram a ultima edição.
Após a publicação da série XIII, em parceria com o jornal público, era de se esperar que a ASA lançasse a nova edição que saiu em França.....mas nada até agora.
Thorgal foi outra série completamente descartada e muito mal aproveitada. Em Portugal tinham sido lançados as 3 primeiras edições por outra editora, que rapidamente desapareceram do mercado e a Asa decidiu saltar 3 edições (4, 5 e 6) para editar as edições 7, 8, 9 e 10. Após isso lança uma parceria para lançar as restantes edições sem lançar as edições 11, 12 e 13. Uma pena pois a série é fantástica.
Enquanto não houver uma editora nos moldes da G-floy a apostar na BD franco-belga....só podemos esperar por edições lançadas em parceria com um jornal e perceber que se a série tiver continuação não será lançada em português.
Claro que Aguias de Roma é uma exceção, mas é apenas um exemplo.
Luky luke, Blake e Mortimer e Asterix são os únicos títulos que a Asa efectivamente aposta como seguras.
Completamente de acordo com o que foi dito e resta-me apenas dar o exemplo de mais coleções em que aconteceu, precisamente o mesmo:
Eliminar- Bouncer foram editados 7 volumes faltando agora o volume 8 e o 9.
- Armazém Central foram editados 3 volumes e em França já vai no volume 9.
- O Ciclo de Cyann foram editados 4 volumes e faltam editar os volumes 5 e 6 (coleção que já terminou).
- Tramp foi editado apenas o volume 1 e em França já vai no volume 10.
- Alix aconteceu o mesmo que a Thorgal, já foram editados vários livros, mas continuam em falta os volumes 21, 22, 24, 25 e 27 ao 35.
Enfim resta-nos aguardar que chegue o dia em que a ASA se lembre de completar as coleções que estão com vários volumes em falta...
E de facto o melhor é ir comprando as coleções que vão saindo com o Jornal "O Público", apesar de mesmo assim algumas coleções não ficam completas...
Como agora tivemos a visita do Papa, Vamos ter fé...
Jony da Costa, Anónimo,
EliminarInfelizmente, os exemplos de séries só parcialmente editadas poderiam ser muitos mais...
Mas se na altura própria, elas ficaram por completar, não acredito que com o desenvestimento que a ASA fez na BD, alguma delas venha algum dia a ser completada.
Era preciso um grande milagre...
Boas leituras!
À séries referidas nos comentários anteriores, acrescenta-se Blacksad. Mas com este tivemos a agradável surpresa do último album(que saiu) ter sido editado cá pela Arcádia.
ResponderEliminarSendo a ASA da Leya e a Arcádia da Babel....
E tendo a MJMP saído da ASA e entrado na Arcádia...
Sonhar não custa :-)