Um homem (só) entre
mulheres
Com o lançamento, ontem, pela Levoir, com o jornal Público,
do primeiro volume de Y: O último homem,
recupero o texto que publiquei no blog da Mundo Fantasma em
2014, como poderão verificar clicando aqui neste texto a cor diferente.
Mais do que uma leitura deste tomo 1, apresenta uma
perspectiva global sobre a série, pelo que é possível que aqui ou ali haja
ligeiros spoilers, que me parecem
insuficientes para estragar a leitura…
Planeta Terra. 17 de Julho de 2002. Uma misteriosa epidemia
dizima em poucos segundos todos os homens e todos os animais machos do planeta.
De um momento para o outro, o planeta perdeu quase metade da
sua população global, quase todos os proprietários das maiores fortunas segundo
a Forbes, a maioria dos governantes mundiais, dos pilotos, dos capitães de
longo curso, dos motoristas de camião, dos presidiários, dos operários das
indústrias pesadas, dos soldados e (praticamente?) todos os sacerdotes das mais
representativas religiões…
Naquele instante fatal, a maioria dos aviões em voo
despenharam-se, os navios em curso perderam o rumo, o trânsito nas grandes
metrópoles e vias de acesso tornou-se impossível pela multiplicidade de
viaturas acidentadas. Com os governos decapitados, com as forças da ordem
paralisadas, sobreviver a todo o custo tornou-se o lema da maioria das mulheres
sobreviventes.
A essa epidemia sobreviveram Yorick Brown, um jovem, e
Ampersand, o seu macaco-capuchinho. No momento da tragédia, o último homem da
Terra estava ao telefone com a sua namorada Beth, algures nas planícies
australianas e acabava de a pedir em casamento. Encontrá-la passa a ser o seu
principal objectivo, embora as circunstâncias o vão obrigar a fazer (múltiplos)
desvios.
Partindo ao encontro da mãe - ex-ministra da agricultura,
obrigada a assumir a presidência do país - é por ela confiado à agente 355,
membro de uma organização secreta, o Círculo Culper, utilizada secretamente
pelo governo para missões delicadas. O objectivo é que encontrem a dr.ª Alisson
Mann, uma conceituada bioengenheira, com o intuito de que ela descubra por que
razão ele e o seu bicho de estimação foram poupados, para a partir daí tentar
evitar a extinção completa do ser humano.
Inicia-se então uma longa jornada, primeiro a dois, depois a
três, que ao longo de meses- que se transformarão em anos - os levará a
cruzarem os Estados Unidos e, mais tarde, mesmo à Austrália, ao Japão e
finalmente à Europa, numa busca iniciática.
Em sua perseguição - em diferentes momentos e com diferentes
intuitos - vão ter as novas amazonas, entre as quais Hero, irmã de Yorick,
apostadas em destruir todas as memórias da passagem dos homens pela terra, um
comando israelita chamado pela mãe de Yorick, dissidentes do Círculo Culper ou
uma guerreira ninja nipónica a soldo de um misterioso empregador.
Apesar de uma ou outra questão temporal menos bem resolvida -
a travessia dos Estados Unidos, feita de carro, mota, comboio, cavalo ou a pé,
arrasta-se por muitos meses - a narrativa vai avançando de forma consistente,
com sucessivos flashbacks que mostram onde estavam os diferentes intervenientes
no momento da tragédia e também situações pontuais do seu passado que explicam
as suas opções no presente.
Ao longo das jornadas, vão-se cruzando com sobreviventes,
isoladas ou em pequenas comunidades. Algumas delas tentam seguir em frente,
vivendo de acordo com aquilo que a nova ordem - ou será desordem? - lhes permite;
outras esforçam-se por criar novas estruturas, mais flexíveis e adaptadas aos
novos tempos; como sempre alguns grupos tentam aproveitar-se da situação para
seu benefício ou para subjugarem outras; finalmente, algumas fazem patéticas
tentativas de recuperar o que até aí existia.
Vaughan aproveita estes sucessivos encontros/recontros, para
traçar um retrato pouco abonatório do ser humano - e o facto de retratar apenas
mulheres não tem nada de sexista - mostrando o melhor e o pior do ser humano,
enquanto acompanhamos e aprendemos a conhecer melhor os três protagonistas na
busca iniciática de si mesmos e da felicidade e vemos como perante uma situação
limite o ser humano tem tendência a mostrar o melhor e/ou o pior de si mesmo.
Não por acaso, aliás, escolheu para personagem central um
adolescente tardio - deixem-me defini-lo assim - impulsivo, raramente razoável,
poucas vezes adulto, o que provoca uma série de situações ambíguas, complicadas,
perigosas ou mais do que isso.
Protagonista de uma obra com uma forte tensão sexual - e
apesar do muito que é sugerido e mesmo (do pouco) que é mostrado, não é difícil
imaginá-la mais explícita se fosse criação europeia - num mundo em que predomina
o ódio ao macho, Yorick Brown, curiosamente,
mais do que ser desejado como objecto sexual pelas sucessivas mulheres
que vai encontrando, é quase sempre perseguido por ainda estar vivo. Ao mesmo
tempo, enquanto amadurece e se torna mais adulto - analisar o seu percurso ao
longo da saga é um exercício bem estimulante - a sua posição vai evoluindo da
jura de fidelidade a todo custo à sua namorada, que julga algures no deserto
australiano para se ir aos poucos deixando atrair e seduzir por várias das
mulheres com quem se vai cruzar, numa mudança progressiva e subtil que demora
algumas centenas de páginas até ser consumada.
O conjunto, com inúmeras referências à cultura pop e à
cultura norte-americana que ajudam a sustentá-lo e lhe dão credibilidade, depois
de um início forte e acelerado, vai perdendo em ritmo o que ganha em
complexidade, até ao final, suficientemente explícito e credível para dar (uma
enorme) coerência ao todo mas também aberto quanto baste para que seja o leitor
a tirar as suas conclusões, embora possa provocar alguma desilusão face a tudo
o que até aí foi narrado.
Y: O último homem
#1 Um mundo sem homens
(#2 Ciclos - lançamento em 26 de Outubro)
Brian K. Vaughan (argumento)
Pia Guerra (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 19 de Outubro de 2017
170 x 257 mm, 128 p., cor, capa dura
12, 90 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua
extensão)
Tenho uma versão americana de 5 volumes, que tanto quanto saiba, terá a série na totalidade. Não tenho a certeza se parei de ler ao terceiro ou se chehguei mesmo ao quarto.
ResponderEliminarAté onde cheguei, não consegui conceber um adolescente masculino (tardio ou não), a não "aproveitar" todas ou quase todas as oportunidades de fazer sexo. Inclusive mesmo, a não pensar sequer na continuidade da sua espécie (a humana), que (pelo menos até onde li) precisava dele desesperadamente como um novo "Adão".
Até onde li, só tinha vontade de começar ao estalo com uma data de personagens, a começar no Yoric e a passar ou terminar mesmo na sua irmã Hero.
Acho excelente que seja publicada em Portugal, mas no meu caso, passa-me ao lado.
Tenho a mesma versão e já vou no quinto volume,não é um Preacher mas adorei a história.Acho que o fato de Yoric ter a personalidade que tem é que dá um ar cómico a toda a história, mas são gostos. Muito bom mesmo aconselho.
ResponderEliminarE a qualidade do papel é igual a Salvat ou mais tipo a novelas gráficas?
ResponderEliminarÉ o mesmo papel dos livros da DC da Levoir.
EliminarJá tenho a saga toda em Inglês, logo, não irei comprar isto.
ResponderEliminarMas aconselho a todos os que não conhecem que o façam, pois a história é fantástica e o final é das coisas mais belas que li (mesmo a puxar a lágrima)....