Julia, finalmente
E ao quarto volume da Colecção Bonelli finalmente chega Julia.
Quem segue este blog, sabe que já lhe
dediquei muitos textos - quase quatro dezenas, na verdade! - por isso esta
edição é duplamente agradável para mim. Pela edição em si e,
acessoriamente, porque tive a oportunidade de a traduzir - e dessa
forma entrar mais profundamente na escrita de Berardi.
Julia - como em tempos Ken Parker, que não por acaso tem criação e escrita do mesmo Giancarlo Berardi - é uma excepção (preferem um caso à parte?) - no universo Bonelli, desenvolvido com base em heróis fortes e infalíveis, determinados e sem dúvidas.
Julia - como em tempos Ken Parker, que não por acaso tem criação e escrita do mesmo Giancarlo Berardi - é uma excepção (preferem um caso à parte?) - no universo Bonelli, desenvolvido com base em heróis fortes e infalíveis, determinados e sem dúvidas.
Julia - como Ken Parker... - não é
assim. Tem dúvidas e poucas certezas, falha por vezes, não é forte
e muito menos infalível, embora a determinação seja uma das suas
características. É antes de tudo humana e gosta de observar os
outros, de - mais do que apanhar os criminosos - compreender as
motivações, as questões, as razões que os levaram aos actos.
Pessoais e sociais. Individuais e colectivas. Voluntárias e
provocadas.
Mulher autónoma, embora por vezes
dependente, professora universitária, consultora, enquanto
criminóloga, da polícia da - fictícia - Garden City onde vive,
solteira - enquanto a isso a Bonelli obrigar...? - o que não a impede de alguns
relacionamentos pontuais, mais ou menos duradouros, Julia é
protagonista mas não heroína, é principalmente humana.
Como humanas - com generosas doses de
crítica social - são as histórias que Berardi - com alguns
(poucos) cúmplices na co-escrita - tem partilhado com os leitores
desde há muitos anos para cá.
Não sendo, possivelmente, esta a
melhor história de Julia - qual será, afinal, entre as mais de duas
centenas já publicadas? - é uma bela porta de entrada para um
universo em constante construção e mudança ou não fosse todo ele
baseado em factos reais e situações que reconhecemos do nosso
próprio quotidiano globalizado.
Em O Eterno Repouso,
tudo começa com o desaparecimento de um dos internos de um
lar de idosos e uma macabra descoberta no jardim do mesmo lar. Em
paralelo - com a inevitável confluência a que Berardi já nos
habituou - conhecemos um casal em rota de colisão e um assaltante de
pequena escala e pouca sorte.
Os problemas - e algumas vantagens... -
geralmente associados à velhice - a solidão, o esquecimento, o
abandono, a perda de qualidades... - a dificuldade (directa e
indirecta) dos relacionamentos - ainda mais quando os seus
componentes estão em posição (de força) diferentes - e a pressão
social, ganham aos poucos contornos de protagonismo e são estas
temáticas que vão balizar mais uma história forte e fracturante de
Julia, daquelas que não acabam quando se fecha a edição.
Inevitavelmente - revejo os textos que
já escrevi sobre esta colecção e lá está sempre este factor -
tenho de falar do desenhador.
Esta história foi escolhida por causa
dele, no caso o grande, enorme Sergio Toppi - autor do belíssimo
SharazDe - que não teve problema em colocar a sua arte ao serviço
de uma série regular mensal, por isso com um apertado caderno
(gráfico) de encargos. Toppi cumpre a sua função, adaptando o seu
traço ao visual da série, com reforço na expressividade dos
intervenientes, e brilha especialmente na (forte) sequência do
pesadelo.
Mais um sinal da importância da
Bonelli em Itália onde, como Toppi, grandes nomes dos quadradinhos
não têm hesitado - quando não mesmo pedido - em colocar a sua
(grande) arte ao serviço de produções essencialmente populares...
Julia:
O Eterno Repouso
Giancarlo
Berardi (argumento)
Sergio
Toppi (desenho)
Levoir/Público
Portugal,
3 de Maio de 2018
190
x 260 mm, 136 p., pb, capa dura
10,90
€
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Sem comentários:
Enviar um comentário