Resumo
Primeiro
volume de As
Novas Aventuras de Bruno Brazil, Black Program
leva-nos a reencontrar os membros (sobreviventes) da Brigada Caimão,
poucos meses após o desastre de Quite
ou double pour Alak 6,
empenhados em ultrapassar os acontecimentos traumáticos e com uma
tripla
missão em mãos: capturar
o assassino do ex-inimigo
público n.º 1, descobrir os responsáveis pela fuga de uma prisão
de alta segurança de Rebelle, a
sua inimiga de sempre,
e encontrar um génio desaparecido misteriosamente.
Contextualização
Bruno
Brazil foi criado por Michel
Greg
- sob o pseudónimo de Louis Albert - e William Vance, em 1967, para
a revista belga
Tintin.
Émulo desenhado de James Bond, que então
fazia
furor no cinema (e
nos romances de Ian Fleming),
foi uma lufada de ar fresco na época.
Primeiro
a solo, depois como líder da Brigada Caimão, com o tempo as suas
aventuras foram crescendo - em qualidade narrativa e temática. E
marcariam gerações de leitores quando os seus criadores decidiram,
na sua fase final, matar, literalmente, alguns dos protagonistas,
algo impensável na época.
As
suas aventuras durariam uma década e
10
álbuns, maioritariamente
em
pré-publicação na citada revista,
bem como um álbum ‘póstumo’, quase duas décadas mais tarde.
No
nosso país, foram dadas à luz nas páginas do
título
homónimo,
tendo a Bertrand editado os álbuns #5, #6 e #7 da série: A
noite dos chacais,
Sarabanda
em Sacramento
e Batalha
no arrozal.
Existe
ainda uma aventura curta nas páginas da
Selecções
Tintin #2: Retro.
Bruno
Brazil e eu
Li
Bruno Brazil na altura certa: a adolescência. A altura
certa para vibrar com as suas aventuras e para sofrer, estupefacto,
com a morte de alguns dos seus protagonistas. Se possivelmente li
algumas das histórias na revista Tintin,
o primeiro grande choque surgiu(-me) no díptico A
noite dos chacais/Sarabanda
em Sacramento
pela violência (in)contida, pelo dinamismo do traço, o arrojo da
planificação e um argumento assertivo que gritava aos quatro ventos
que os fins justificam os meios. As leituras posteriores - menos
empolgantes - levar-me-iam, no entanto, ao chocante e emotivo Quite
ou double pour Alak 6, o
tal em que morrem (mais)
dois
dos protagonistas e outros dois ficam aleijados.
A
releitura recente da série, nos três
integrais
franceses da Le Lombard, mostraram-me de forma marcante como quase
toda a série é datada, sendo que as suas principais
notas distintivas - a violência, a planificação, as mortes… -
são hoje em dia (mais)
comuns.
Recentemente, alguém escrevia que a
retoma de um herói/série [no âmbito do mercado franco-belga] só
fazia sentido se esse regresso trouxesse algo de novo.
[Obviamente, estes regressos, cada vez
mais frequentes, fazem também - e antes do mais . sentido financeira
e mediaticamente, no alimentar da nostalgia de gerações que assim
regressam a um tempo em que foram felizes; por isso, são (quase
todos) sucessos de vendas.]
Partindo daquele pressuposto, cabe
perguntar: o que traz Black Program de novo a Bruno Brazil?
A resposta é dupla: um agravar das
tensões entre os seus membros, natural dado os momentos traumáticos
que partilharam e as sequelas - físicas e psicológicas que eles
deixaram; um alhear do protagonista - da realidade e da vida familiar
(sim, Bruno Brazil foi um dos raros heróis de BD a contrair
matrimónio!) - perante a incompreensão da esposa e a revolta
juvenil de Maï (que revela um crescimento acelerado em relação ao
que dele conhecíamos…).
À parte isto, Aymond e Bollée foram
capazes - para o bem e para o mal… - de continuar - em termos
cronológicos, temporais e temáticos - a série a partir do ponto em
que tinha sido abandonada por Greg e Vance. Com um senão, de peso, o
facto de aquilo que na época funcionava como antecipação, soar
hoje, neste regresso aos anos 70, sem o rigor do retrato histórico -
que não é pretendido - estranho pela utilização de uma
parafernália então inexistente e pela exploração de temáticas
ainda (hoje) desconhecidas. [Tal como acontece, por exemplo, com a
maioria dos álbuns de Blake & Mortimet pós-Jacobs...]
A favor dos autores, diga-se que pegam de
forma coerente nos últimos acontecimentos da série, retomam algumas
personagens ‘secundárias’ (Rebelle, Ottoman, Gina, Maï…) como
se entre a aventura anterior e esta se tivessem escoado apenas
algumas semanas e não os mais de 40 anos que (muitos) pudemos
contar.
Quanto ao tratamento dos protagonistas,
Brazil - por tudo o que passou - apresenta as principais notas
distintivas, tendo-se tornado menos ‘herói’ e mais ‘humano’,
numa clara modernização e actualização. Em sentido contrário,
surge Nomade, cuja chamada para a nova Brigada Caimão soa de todo
despropositada face ao contexto em que Brazil e Gaúcho o
(re)encontram.
A construção do relato é competente, a
introdução de uma cena presente, suspensa no tempo de um demorado
flashback para actualização dos leitores funciona bem, a
sucessiva interacção entre os diferentes casos em jogo surge de
forma natural - com os descontos óbvios a uma série de acção e
aventura - e as principais características impressas no ADN da série
por Greg continuam activas: acção trepidante - embora o ritmo seja
inferior ao do original - e violência (por vezes quase gratuita).
Graficamente, o traço de Aymond é uma
agradável surpresa, revelando-se mais solto e actual que o de Vance,
embora lhe falte, é verdade, o arrojo da planificação que era
imagem de marca do Brazil original. Em termos das personagens, se o
tratamento que dá a Brazil é penoso, demasiado preso - e ao mesmo
tempo afastado - do modelo original, tornando-o irreconhecível, já
Gaúcho Morales, o Coronel L e Whip Rafale são os mesmos com que
tantos leitores sonharam...
...assim com o esta continuação, que
certamente cumprirá o papel de alimento da nostalgia a que está
votada.
A
reter
-
Depois de construir um catálogo - já com alguma consistência - com
obras de carácter (aparentemente) mais didáctico, a Gradiva aposta
alto na nova fase de uma série mítica para gerações de leitores.
-
Bollée
oferece aos leitores nostálgicos algo muito próximo do que eles
querem descobrir. Sem surpreender especialmente, mas também sem se
desviar de forma marcante do original. Cumpre, afinal, os requisitos
contratuais...
-
Não sendo Vance, Aymond
surge como uma agradável surpresa. Com o traço mais solto - Vance
evoluiria muito depois de Bruno Brazil - e mais moderno, cumpre o que
o argumento expõe,
com
o senão de raramente fugir aos
limites das vinhetas, como
algumas cenas pediam.
Menos
conseguido
-
Escrevo acima que a maioria das aventuras de Bruno Brazil me parecem
hoje datadas. Também
aqui, Black
Program
mantém a fidelidade ao original. Infelizmente.
-
O fim abrupto do volume, que quase dá a sensação que só no final
da última página os autores perceberam que era a última.
-
O
visual de Bruno Brazil...
-
Inadmissível é o mínimo que se pode dizer acerca da legendagem da
Gradiva - que
está longe de ser uma editora inexperiente na edição de BD.
Aparentemente a fonte é a original, mas os textos foram
escritos com o ‘caps lock’ activo e os ‘N’ saíram invertidos
e os ‘I’ com os tracinhos em cima e em baixo. Se estes últimos
ainda passavam, a inversão dos ‘N’ torna a leitura incómoda e,
nalguns casos, até difícil. Se o erro pode acontecer - aconteceu,
afinal
- não pode, de forma alguma, passar. O legendador estava a dormir e
o revisor não fez o seu trabalho.
Alguém escreveu nos comentários
da notícia do lançamento, que um livro assim não pode sair de uma
gráfica. Mas não, um livro assim, não pode ENTRAR
numa
gráfica.
Se
todos os erros são penalizadores, não
sei até que ponto um desta
dimensão não se pode repercutir de forma sensível nas
vendas e transmitir à editora
uma imagem errada sobre o
potencial da
(grande) aposta feita.
Black
Program
As
Novas Aventuras de Bruno Brazil #1
Laurent-Frédéric
Bollée (argumento)
Phylippe
Aymond (desenho)
Gradiva
Portugal,
4 de Fevereiro de 2020
235
x 312
mm, 60
p., cor, capa dura
16,50
€
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Boa tarde, será que algum dia vamos ter a publicação de todos os álbuns históricos de Bruno Brazil? Nem que seja nos habituais integrais. Obrigado e abraço.
ResponderEliminarBoa tarde, saúdo a publicação do espectacular Bruno Brazil, mas estou de acordo com o Paulo S. Saudações
ResponderEliminarA publicação de As novas aventuras de Bruno Brazil poderá ser um primeiro passo nesse sentido. Como sempre, tudo dependerá da reacção dos leitores...
EliminarBoas leituras!