12/12/2022

Regresso ao Éden

Triste paraíso



Paco Roca continua a narrar a (sua) história do século XX espanhol, em particular dos anos das guerras - Civil e II Mundial - e das décadas que se lhe seguiram. É uma forma muito pessoal de a contar, entre o realismo histórico e a sua realidade pessoal e familiar, esta última assumida de forma púdica e e num patamar inferior em relação à ‘Grande História’.
Continua a fazê-lo de forma extremamente sensível e original, enquanto explora - revela? - potencialidades do meio que lhe serve de veículo: a banda desenhada.

Começando por este último ponto - que podendo não parecer, acaba por surgir como o toque de génio numa narrativa sentida, densa e pesada, que enganadoramente ao leitor menos apercebido poderá soar ligeira e pouco assumida - ele surge de forma exemplar nas primeiras e últimas páginas do livro, em que a voragem do tempo reduz a nada as vidas dos protagonistas e a(s) sua(s) história(s). Ou, também, quando o crescimento da família de Vicentita torna exíguo o quarto em que vivem, isso é espelhado pelo crescimento dos protagonistas no interior de vinhetas que mantêm a mesma dimensão.

Regresso ao Éden - título tão enganador que mais justamente poderia ser intitulado ‘Vida no inferno’ - narra a história de uma família - aparentemente a de Paco Roca… - a partir de uma fotografia. Centrada em Antonia - a sua mãe…? - vai saltitando no tempo até duas gerações atrás, para nos ir dizendo o que aconteceu às pessoas presentes - e ausentes… - numa simples fotografia a preto e branco tirada numa praia.

E, através das pessoas nela presentes (e também dos ausentes), das suas vidas - do que passaram e sofreram, parecendo não ter havido nelas mais do que fome, sofrimento e dificuldades - narra como foi viver em Espanha após a Guerra Civil, durante a II Guerra Mundial e nas duas, três décadas seguintes. Um viver que era mais sobreviver, à custa de trabalho árduo, esquemas e ardis, em que o tempo para a família era escasso, as crianças cresciam sozinhas - e demasiado depressa - e o mundo parecia um abismo sem fim, em que só a promessa de um paraíso - o Éden do título… - no final da existência parecia servir de luz e conforto.

Se Regresso ao Éden pode parecer uma narrativa aparentemente desgarrada, pela facilidade com que salta da vida de um para a de outro, desprendida até, pela sobriedade e até distanciamento de cada abordagem, o livro revela uma génese que se adivinha custosa e pungente, pelo que revela, expõe e traz à luz do dia, e acaba por ser sentido em cada palavra, em cada frase - em cada silêncio… - ou no colorido monocromático, de acordo com o cinzentismo da época, que cobre e compõe a bela linha clara característica de Paco Roca.


Nota final

Na edição há opções discutíveis: o acabamento brilhante da capa, o ‘falso’ autocolante que a questiona esteticamente, a gramagem demasiado baixa do papel que nalgumas páginas exibe transparência indesejáveis.

Mas, o que realmente me chocou, foi a falta de uma revisão competente, que eliminasse erros na tradução que vão bem além das simples gralhas ou de percalços de simpatia…


Regresso ao Éden
Paco Roca
Levoir, com o jornal Público
Portugal, 9 de Dezembro de 2022
240 x 170 mm, 176 p., cor, capa dura
15,90 €

(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

2 comentários:

  1. Boa tarde Pedro, sendo um admirador da obra de Paco Roca não posso deixar de lamentar o facto da Levoir, uma vez mais, ter descurado o acabamento gráfico da mesma. Mesmo inscrevendo-se nos limites de um título distribuído em bancas através de um jornal, julgo que há poucas justificações para este "desleixo". Assim sendo irei investir na edição em castelhano. Lamentável...

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  2. Yes, Castelhano is the way! mal empregado money...

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