Triste paraíso
Paco Roca continua a narrar a (sua) história do século XX espanhol, em
particular dos anos das guerras - Civil e II Mundial - e das décadas
que se lhe seguiram. É uma forma muito pessoal de
a contar, entre o realismo histórico e a sua realidade pessoal e
familiar, esta última assumida de forma púdica e e num patamar
inferior em relação à ‘Grande História’.
Continua
a fazê-lo de forma extremamente sensível e original, enquanto
explora - revela? - potencialidades do meio que lhe serve de veículo:
a banda desenhada.
Começando por este último ponto - que podendo não parecer, acaba por surgir como o toque de génio numa narrativa sentida, densa e pesada, que enganadoramente ao leitor menos apercebido poderá soar ligeira e pouco assumida - ele surge de forma exemplar nas primeiras e últimas páginas do livro, em que a voragem do tempo reduz a nada as vidas dos protagonistas e a(s) sua(s) história(s). Ou, também, quando o crescimento da família de Vicentita torna exíguo o quarto em que vivem, isso é espelhado pelo crescimento dos protagonistas no interior de vinhetas que mantêm a mesma dimensão.
Regresso ao Éden - título tão enganador que mais justamente poderia ser intitulado ‘Vida no inferno’ - narra a história de uma família - aparentemente a de Paco Roca… - a partir de uma fotografia. Centrada em Antonia - a sua mãe…? - vai saltitando no tempo até duas gerações atrás, para nos ir dizendo o que aconteceu às pessoas presentes - e ausentes… - numa simples fotografia a preto e branco tirada numa praia.
E, através das pessoas nela presentes (e também dos ausentes), das suas vidas - do que passaram e sofreram, parecendo não ter havido nelas mais do que fome, sofrimento e dificuldades - narra como foi viver em Espanha após a Guerra Civil, durante a II Guerra Mundial e nas duas, três décadas seguintes. Um viver que era mais sobreviver, à custa de trabalho árduo, esquemas e ardis, em que o tempo para a família era escasso, as crianças cresciam sozinhas - e demasiado depressa - e o mundo parecia um abismo sem fim, em que só a promessa de um paraíso - o Éden do título… - no final da existência parecia servir de luz e conforto.
Se Regresso ao Éden pode parecer uma narrativa aparentemente desgarrada, pela facilidade com que salta da vida de um para a de outro, desprendida até, pela sobriedade e até distanciamento de cada abordagem, o livro revela uma génese que se adivinha custosa e pungente, pelo que revela, expõe e traz à luz do dia, e acaba por ser sentido em cada palavra, em cada frase - em cada silêncio… - ou no colorido monocromático, de acordo com o cinzentismo da época, que cobre e compõe a bela linha clara característica de Paco Roca.
Nota final
Na edição há opções discutíveis: o acabamento brilhante da capa, o ‘falso’ autocolante que a questiona esteticamente, a gramagem demasiado baixa do papel que nalgumas páginas exibe transparência indesejáveis.
Mas, o que realmente me chocou, foi a falta de uma revisão competente, que eliminasse erros na tradução que vão bem além das simples gralhas ou de percalços de simpatia…
Regresso
ao Éden
Paco
Roca
Levoir,
com o jornal Público
Portugal,
9 de Dezembro de 2022
240
x 170 mm, 176 p., cor, capa dura
15,90
€
(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Boa tarde Pedro, sendo um admirador da obra de Paco Roca não posso deixar de lamentar o facto da Levoir, uma vez mais, ter descurado o acabamento gráfico da mesma. Mesmo inscrevendo-se nos limites de um título distribuído em bancas através de um jornal, julgo que há poucas justificações para este "desleixo". Assim sendo irei investir na edição em castelhano. Lamentável...
ResponderEliminarYes, Castelhano is the way! mal empregado money...
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