11/12/2022

Derradé: “É na BD que se encontra a minha verdadeira vocação”



A atribuição do Prémio Jorge Magalhães para Argumento de BD a Derradé, pelo seu livro O Fogo Sagrado, foi o mote para breve entrevista, feita à distância, que serviu de base ao texto publicado no Jornal de Notícias online de 3 de Dezembro de 2022, e à sua versão em papel publicada no dia seguinte.
A seguir, fica a versão integral dessa mini-entrevista, com aspectos que fazem pensar.


As Leituras do Pedro - Como apresentas O Fogo Sagrado a um possível leitor?

Derradé - O Fogo Sagrado é uma reflexão sobre a paixão que tenho pela Nona Arte, a necessidade que tenho de me expressar através dela e de como isso é completamente indiferente ao resto do mundo, que continua alegremente a desprezar uma linguagem riquíssima e de potencial quase infinito, e de como essa atitude pedante é completamente ridícula.


As Leituras do Pedro - Fazer BD em Portugal é tão difícil como descreves no teu livro?

Derradé - Eu creio que até fui muito leve na abordagem. Para fazer BD é preciso algo que muita gente não está disposta a dar: tempo. E o tempo, além de ser dinheiro, é escasso e precioso. Ao ficarmos mais velhos vamo-nos apercebendo disso. Olhamos para os nossos entes queridos e uns já partiram, outros cresceram e vão à sua vida, e por vezes ficamos com a sensação amarga de que poderíamos ter estado mais tempo com eles, mas ficámos fechados a fazer BD. BD essa, que em Portugal, não nos dá rendimento por forma a ser a nossa profissão. Produzir BD vai comer do pouco tempo disponível que temos fora das nossas profissões. E o que temos para mostrar àqueles a quem não dedicámos esse tempo? Se tivermos sorte, como eu tive: livros publicados e algum reconhecimento. Mas nem sempre isso é regra. Somos um mercado pequeno num país que não lê. E não conseguimos chegar a outros mercados que, aparentemente, falam a mesma língua (Brasil, Angola, Moçambique,...). Seria interessante se conseguíssemos essa ponte, se conseguíssemos tornar a lusofonia bem mais do que uma palavra.


As Leituras do Pedro - Então porque continuas?

Derradé - Porque os meus editores não me largam.

Mais a sério, foi precisamente para responder a essa pergunta que fiz O Fogo Sagrado. E posso responder que continuo porque é nesta Arte que me sinto completo, que viver não é só subsistir, que preciso de um escape à loucura da profissão que exerço, e que sinto que cada livro é mais uma peça do puzzle para me conhecer melhor.


As Leituras do Pedro - Um prémio para argumento é importante?

Derradé - A BD é uma arte específica, que embora publicada em livros e que possa usar palavras, terá mais semelhanças com o cinema do que com a literatura. Genericamente falando, um livro de BD terá um argumento e desenhos que, baseados nesse argumento, traduzem-no em imagens sequenciais com códigos próprios da sua linguagem. Se quisermos premiar obras de BD, temos de ter em consideração isso mesmo: a obra final, quem a desenha e quem escreveu o argumento. Pode até ser, como tem sido no meu caso mais recente, a mesma pessoa a tratar do argumento e do desenho, mas existe essa divisão, tal como no cinema. Na literatura isso não acontece. Portanto termos prémios de BD estruturados como se de literatura fossem é, na minha opinião, errado. Insistir nesse erro é só estúpido. Assim, ainda bem que existe o Prémio Jorge Magalhães, figura ímpar da nossa BD onde, a par de outras responsabilidades no meio, foi um argumentista invulgar.


As Leituras do Pedro - O que significou para ti?

Derradé - Suceder ao Filipe Melo como vencedor deste prémio é algo que eu nem sonhava. Pelas reacções que me foram chegando, O Fogo Sagrado foi muito bem recebido mas depois, em termos de nomeações nos vários prémios organizados por festivais ou por sites, a coisa não pareceu muito unânime, tirando o Troféu Central Comics onde venceu na categoria de Melhor Argumento. Portanto fiquei genuinamente surpreendido e eternamente agradecido por se terem lembrado do meu livro. Este prémio vem validar a sensação, e o desejo, que sempre tive de que é na BD que se encontra a minha verdadeira vocação. Mas todos temos de comer e pagar as contas, não é?


(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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