Recém-chegada às livrarias nacionais, “Anne Frank: Biografia
Gráfica”, uma edição da Devir, é uma obra que exemplifica um género a que a
banda desenhada regressa recorrentemente: a biografia.
Se a história de Anne Frank, a pequena judia que narrou num
diário a sua experiência como refugiada judia na Holanda, durante a segunda Guerra
Mundial, é razoavelmente conhecida, recontá-la aos quadradinhos pode ser uma
forma de a fazer chegar a leitores menos familiarizados com as atrocidades
sofridas pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Os seus autores, Sid Jacobson e Ernie Colón, para além do
diário de Anne, basearam-se também em testemunhos de pessoas que a conheceram, para
fazerem um enquadramento histórico e narrarem a história da sua família antes e
depois do holocausto nazi.
Da mesma editora é também “O Zen de Steve Jobs”, que num
registo mais ficcional, ilustra diversos episódios da vida do fundador da Apple
entre 1970 e 2011, que mostram a sua relação com Kobun Chino Otogawa, um monge
zen dissidente do budismo, e como se inspiraram mutuamente.
Acreditando nas potencialidades desta forma de expressão e
na facilidade com que chega a leitores mais novos, a Fundação Nelson Mandela compilou
diversos episódios da vida do antigo presidente sul-africano em “Nelson
Mandela: The Authorized Comic Book”, um projecto que teve supervisão do próprio.
Temática usada em Portugal e noutros países ocidentais
durante décadas para contornar as limitações que a censura impunha, a biografia
aos quadradinhos continua a ter cultores como o veterano José Ruy, autor de “Leonardo Coimbra e os Livros Infinitos” (Âncora), na qual provoca o encontro entre duas
“versões” do biografado, o homem maduro e o jovem de 14 anos, que vão
conversando e percorrendo os diversos locais onde viveu uma das figuras mais
proeminentes do movimento da Renascença Portuguesa.
Já “Pessoa & Cia” (ASA), da catalã Laura Pérez Vernetti,
apresenta o poeta português através de uma biografia desenhada e da
reinterpretação de alguns dos seus poemas aos quadradinhos.
Menos conhecido é o fotógrafo brasileiro Maurício Hora, natural
da favela do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, onde ainda hoje habita
por opção, cujas dificuldades de vida inerentes ao meio são traçadas em “Morro da Favela” (Polvo) do também brasileiro André Diniz.
No campo do desporto, a vida de um dos maiores ciclistas de
todos os tempos foi lembrada aos quadradinhos nos anos 1970 pelo jornal “A
Capital”, numa BD recuperada pelo GICAV em “Um campeão chamado Joaquim
Agostinho”, a propósito do centenário do seu criador, Fernando Bento
(1910-2010).
Nos Estados Unidos, os quadradinhos biográficos dedicados a personalidades
e celebridades das mais diversas áreas encontraram um nicho de mercado que a
Bluewater Productions tem explorado a fundo. O actor Lou Ferrigno, o escritor
George R.R. Martin, o basebolista Jackie Robinson ou os One Direction são
alguns dos nomes que recentemente integraram um já vasto catálogo onde também
se encontram biografias de Barack Obama,
dos príncipes William e Kate, de Michael Jackson ou de Angelina Jolie, esta
última desenhada pelo português Nuno Nobre.
Entretanto, nalgumas bancas e quiosques portugueses está
neste momento disponível o segundo tomo de “La Vie de Mahomet”, uma biografia do
profeta do islão.
Editada pela revista satírica “Charlie Hebdo”, conhecida
pelas muitas polémicas que tem provocado e cuja sede chegou a ser alvo de um
atentado bombista, desencadeou uma tempestade mediática quando foi editado o
primeiro volume, mas a obra revelou-se fiel à versão histórica, fruto de um
profundo trabalho de pesquisa por parte de Zineb e Charb, que entre outras
bases utilizaram os textos sagrados do Corão “para ilustrar o percurso de um
homem, Maomé, tal e qual é descrito nas próprias fontes islâmicas”.
Apesar disso, não escapou a tornar-se alvo de alguns
extremistas e recentemente, em França, donos de quiosques foram ameaçados e
mesmo agredidos por a exporem e o Facebook chegou a suspender a página da “Charlie
Hebdo” por “publicação de conteúdos que violavam” as suas regras…
A finalizar, a título de curiosidade fica uma referência a
três biografias intimamente ligadas ao género narrativo que as suporta: “Maurício
de Sousa: biografia em quadrinhos”, assinada pelo respectivo estúdio, mas que
assume alguns contornos autobiográficos, “Osamu Tezuka – Biographie”, obra
póstuma sobre o criador de Astroboy, e “A Saga do Tio Patinhas”, editada em
Portugal pela Edimpresa, na qual Don Rosa recriou cronologicamente o percurso
do pato mais rico do mundo a partir dos muitos episódios escritos e desenhados
por Carl Barks, o seu criador.
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
6 de Agosto de 2013)