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16/02/2022

Matei o meu pai e foi estranho

Contrariar um título revelador



Uma obra com um título revelador, como é o caso desta - Matei o meu pai e foi estranho - tem tudo para deixar o leitor desconfiado e até desmotivado por conhecer antecipadamente o final. Para mais, quando a informação em causa é confirmada logo nas primeiras páginas.
Tendo arriscado tanto, resta ao autor conseguir criar um relato suficientemente estimulante e, ainda assim, capaz de surpreender o leitor. André Diniz, brasileiro de 46 anos, a residir no nosso país há alguns anos, consegue fazê-lo.

14/05/2020

André Diniz: "Histórias partem de desafios, de medos, de conflitos"





Aproveitando o lançamento da 2.ª edição de Morro da Favela  e a respectiva exposição, com a colaboração da editora Polvo, As Leituras do Pedro colocaram algumas perguntas aos autores, via correio electrónico.
Por razões diversas que não vêm ao caso, entre o envio do questionário, a recepção das respostas e a sua publicação, já passaram mais de três meses, mas isso não invalida nem desactualiza o seu interesse e serve como uma nova chamada de atenção para um livro que merece ser lido - como já foi feito aqui.

13/05/2020

Maurício Hora: "Não imaginava que a minha vida fosse algo para contar"



Aproveitando a vinda a Portugal de Maurício Hora - André Diniz já vive cá! - para a apresentação da 2.ª edição de Morro da Favela e presença na inauguração da respectiva exposição, com a colaboração da editora Polvo, As Leituras do Pedro colocaram algumas perguntas aos autores, via correio electrónico.
Por razões diversas que não vêm ao caso, entre o envio do questionário, a recepção das respostas e a sua publicação, já passaram mais de três meses, mas isso não invalida nem desactualiza o seu interesse e serve como uma nova chamada de atenção para um livro que merece ser lido - como já foi feito aqui.

07/08/2019

Entre cegos e invisíveis

E depois?





Tenho André Diniz entre os autores que acompanho, motivado por excelentes obras como Morro da Favela, Que Deus te abandone ou Malditos amigos.
Um novo livro deste autor de grande produtividade é, por isso, sempre razão para fundadas expectativas. Porque a fasquia estava muito elevada ou porque falta algo a Entre cegos e invisíveis, apesar de ser uma obra interessante e recomendável, a sua leitura não me satisfez plenamente

12/07/2018

Malditos amigos

Argumentista de cabeceira


Fui sempre - sempre…? - mais um leitor de argumentistas do que de desenhadores. A parte gráfica de uma BD - aceitando implicitamente que a separação pode ser feita… - foi sempre - sempre…? - suplantada pela história contada.
André Diniz é, neste momento, um dos meus ‘argumentistas de cabeceira’, cuja obra sigo.

27/03/2018

Olimpo Tropical


Regresso à favela



Tal como André Diniz, aqui (bem) acompanhado por Laudo Ferreira - dois autores cujas obras tenho tentado acompanhar - regresso ao Rio de Janeiro.
Eu, depois de ontem ter destacado Carnaval Sauvage, Diniz após o seu premiado Morro da Favela e Que Deus te abandone.
Em comum a estas obras, as favelas do Rio como local da acção - e pouco mais.

05/10/2017

Nas bancas: O Idiota



(nota informativa disponibilizada pela editora)
Da autoria do argumentista e ilustrador brasileiro André Diniz, a última novela gráfica desta colecção O Idiota, é um lançamento com estreia mundial em Portugal. André Diniz adaptou à BD o romance clássico do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1869.

25/01/2016

Café Espacial #15






‘Surpresa’ não tem sido, de forma alguma, o adjectivo que eu escolheria para definir o trajecto editorial da Café Espacial – embora ele venha a ser tudo menos monótono - mas, neste seu décimo-quinto número, parece que o conteúdo foi seleccionado em função de um objectivo: surpreender.

20/11/2015

Que Deus te abandone















Depois do intenso Morro da Favela, André Diniz volta ao morro, volta à favela, para contar mais histórias humanas.

28/06/2015

O velho Muzinga regressa com arte de Jefferson Costa








Desde o relançamento do site Muzinga, que reúne HQs digitais de André Diniz e parceiros, havia uma lacuna a ser preenchida: onde estava o personagem que dá título ao site?
A resposta, com imagens, já a seguir.

15/05/2015

Muzinga está de regresso

O site site Muzinga, criado pelo quadrinhista André Diniz e pela colorista Marcela Mannheimer como um espaço para publicação de HQs digitais, acaba de reestrear, com uma série de novidades.

24/02/2015

Fawcett












A primeira – e grande! – surpresa deste livro é a parceria autoral: André Diniz, no argumento, e o mestre brasileiro Flavio Colin, no desenho. A razão? A existência, entre os dois, de uma diferença de 45 anos. No trabalho comum, esse salto geracional não é de forma alguma visível.

06/08/2013

Biografias aos quadradinhos











Recém-chegada às livrarias nacionais, “Anne Frank: Biografia Gráfica”, uma edição da Devir, é uma obra que exemplifica um género a que a banda desenhada regressa recorrentemente: a biografia.

Se a história de Anne Frank, a pequena judia que narrou num diário a sua experiência como refugiada judia na Holanda, durante a segunda Guerra Mundial, é razoavelmente conhecida, recontá-la aos quadradinhos pode ser uma forma de a fazer chegar a leitores menos familiarizados com as atrocidades sofridas pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Os seus autores, Sid Jacobson e Ernie Colón, para além do diário de Anne, basearam-se também em testemunhos de pessoas que a conheceram, para fazerem um enquadramento histórico e narrarem a história da sua família antes e depois do holocausto nazi.
Da mesma editora é também “O Zen de Steve Jobs”, que num registo mais ficcional, ilustra diversos episódios da vida do fundador da Apple entre 1970 e 2011, que mostram a sua relação com Kobun Chino Otogawa, um monge zen dissidente do budismo, e como se inspiraram mutuamente.
Acreditando nas potencialidades desta forma de expressão e na facilidade com que chega a leitores mais novos, a Fundação Nelson Mandela compilou diversos episódios da vida do antigo presidente sul-africano em “Nelson Mandela: The Authorized Comic Book”, um projecto que teve supervisão do próprio.
Temática usada em Portugal e noutros países ocidentais durante décadas para contornar as limitações que a censura impunha, a biografia aos quadradinhos continua a ter cultores como o veterano José Ruy, autor de “Leonardo Coimbra e os Livros Infinitos” (Âncora), na qual provoca o encontro entre duas “versões” do biografado, o homem maduro e o jovem de 14 anos, que vão conversando e percorrendo os diversos locais onde viveu uma das figuras mais proeminentes do movimento da Renascença Portuguesa.
Já “Pessoa & Cia” (ASA), da catalã Laura Pérez Vernetti, apresenta o poeta português através de uma biografia desenhada e da reinterpretação de alguns dos seus poemas aos quadradinhos.
Menos conhecido é o fotógrafo brasileiro Maurício Hora, natural da favela do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, onde ainda hoje habita por opção, cujas dificuldades de vida inerentes ao meio são traçadas em “Morro da Favela” (Polvo) do também brasileiro André Diniz.
No campo do desporto, a vida de um dos maiores ciclistas de todos os tempos foi lembrada aos quadradinhos nos anos 1970 pelo jornal “A Capital”, numa BD recuperada pelo GICAV em “Um campeão chamado Joaquim Agostinho”, a propósito do centenário do seu criador, Fernando Bento (1910-2010).
Nos Estados Unidos, os quadradinhos biográficos dedicados a personalidades e celebridades das mais diversas áreas encontraram um nicho de mercado que a Bluewater Productions tem explorado a fundo. O actor Lou Ferrigno, o escritor George R.R. Martin, o basebolista Jackie Robinson ou os One Direction são alguns dos nomes que recentemente integraram um já vasto catálogo onde também se encontram biografias  de Barack Obama, dos príncipes William e Kate, de Michael Jackson ou de Angelina Jolie, esta última desenhada pelo português Nuno Nobre.
Entretanto, nalgumas bancas e quiosques portugueses está neste momento disponível o segundo tomo de “La Vie de Mahomet”, uma biografia do profeta do islão.
Editada pela revista satírica “Charlie Hebdo”, conhecida pelas muitas polémicas que tem provocado e cuja sede chegou a ser alvo de um atentado bombista, desencadeou uma tempestade mediática quando foi editado o primeiro volume, mas a obra revelou-se fiel à versão histórica, fruto de um profundo trabalho de pesquisa por parte de Zineb e Charb, que entre outras bases utilizaram os textos sagrados do Corão “para ilustrar o percurso de um homem, Maomé, tal e qual é descrito nas próprias fontes islâmicas”.
Apesar disso, não escapou a tornar-se alvo de alguns extremistas e recentemente, em França, donos de quiosques foram ameaçados e mesmo agredidos por a exporem e o Facebook chegou a suspender a página da “Charlie Hebdo” por “publicação de conteúdos que violavam” as suas regras…
A finalizar, a título de curiosidade fica uma referência a três biografias intimamente ligadas ao género narrativo que as suporta: “Maurício de Sousa: biografia em quadrinhos”, assinada pelo respectivo estúdio, mas que assume alguns contornos autobiográficos, “Osamu Tezuka – Biographie”, obra póstuma sobre o criador de Astroboy, e “A Saga do Tio Patinhas”, editada em Portugal pela Edimpresa, na qual Don Rosa recriou cronologicamente o percurso do pato mais rico do mundo a partir dos muitos episódios escritos e desenhados por Carl Barks, o seu criador. 

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 6 de Agosto de 2013)

12/03/2013

Morro da Favela












André Diniz
Polvo,
Portugal, Fevereiro de 2013
165 x 230 mm, 128 p., pb e cor, brochado com badanas
16,85 €



Resumo
Uma biografia de Maurício Hora, fotógrafo brasileiro residente na favela do Morro da providência.

Desenvolvimento
Preconceitos.
Vivemos num mundo preconceituoso, somos educados com base em (mais ou menos) preconceitos – sociais, religiosos, rácicos, comportamentais… Que, mesmo que (parecendo) justificados, nos impedem de ver, de ver os outros, de ver para lá dos outros, do retrato que deles nos traçaram ou impuseram, de ver o que nos rodeia, de forma isenta, sem juízos prévios.
Acima de tudo, somos ensinados a temer a diferença, a evitá-la, a rejeitá-la.
 “Morro da Favela” é, de certa forma, também, um libelo contra os preconceitos. Destrói – destrói? – um dos mais arreigados no que ao Brasil diz respeito: que as favelas são lugares malditos, cheios de bandidos, drogados, traficantes, polícias corruptos, violência…
Não quer dizer que eles não existam e não estejam lá. E “Morro da Favela” não branqueia o que são ou o que fazem. Porque querem.
Mas também mostra – principalmente – que, nas favelas, há muitos que não são drogados, traficantes ou bandidos, gente como nós que está na favela porque nela nasceu, por opção (ou por falta dela), que passam ao lado – tentam passar – de tudo isto e levar uma vida normal.
Como Maurício Hora, cuja vida – real – serve de base a este livro.
Filho de um dos primeiros traficantes de droga, habituado a visitar o pai na prisão em criança – e que dias de festa eram esses! – resistente desde sempre a seguir o caminho mais fácil – o da dependência, do tráfico, do roubo, da violência – Hora (con)seguiu uma vida normal sem sair da favela e tornar-se um fotógrafo respeitado dentro e fora do Brasil.
A sua vida – sofrida, esforçada, empenhada, lutadora - serve de base a um retrato mais vasto de uma realidade que apesar de tanta mediatização desconhecemos quase totalmente.
E esse é o grande mérito de André Diniz, conseguir ter a favela “como cenário” sem contar “mais uma história de violência, embora soubesse que era impossível eliminá-la completamente…” como referiu na entrevista que me concedeu há algumas semanas.
Ao centrá-la em Maurício Hora, humanizou-a, conseguindo em simultâneo contar várias histórias – dos pais, dos vizinhos, dos amigos, também dos traficantes e dos polícias corruptos… - criando uma história de descoberta de uma realidade (que pode ser) diferente.
Da qual nos afastamos voluntariamente, de forma preconceituosa. Como André Diniz que, morador no Rio de Janeiro há 27 anos, “nunca havia pisado em uma favela”
A opção por um traço estilizado, anguloso, também semi-caricatural, revela-se bem acertada.
Primeiro, porque reduz a carga de violência que associamos ao local, afasta-nos da realidade mediatizada – despe a favela dos preconceitos?
Depois, passado o impacto inicial que obriga a redobrar a concentração para o interpretar e captar em toda a sua dimensão, revela-se até agradável, extremamente legível e capaz de transmitir de forma equilibrada a carga emocional associada ao relato.
Finalmente, ao ser trabalhado num preto e branco bem contrastado, mas mostrado em “negativo”, parece aproximar-nos de Maurício Hora e do seu trabalho fotográfico, mostrando como ele vê/vive num “mundo ao contrário” do que nós esperaríamos.

A reter
- A força do relato de André Diniz: contido, equilibrado mas poderoso.
- O traço adoptado, pela originalidade e eficiência.
- A boa edição da Polvo, complementada com algumas fotografias de Maurício Hora e, relativamente à edição original brasileira, enriquecida com ilustrações de alguns autores brasileiros: Marcelo e Magno Costa, José Aguiar, Laudo Ferreira, Pablo Mayer, Ricardo Manhães e Will…
- … que tem o mérito de divulgar em Portugal uma das muitas e muito interessantes obras recentes dos quadradinhos brasileiros, que raramente chegam a Portugal, apesar da estranheza que de certa forma causa ver editada entre nós uma obra brasileira – perfeitamente legível na língua original que (naturalmente) foi mantida nesta edição…


04/02/2013

Entrevista com André Diniz


“Cresci muito como pessoa a fazer este livro."






Depois de inaugurar uma exposição de originais, ainda patente em Beja até 28 de Fevereiro, em trânsito para o Festival de BD de Angoulême que ontem terminou, André Diniz esteve de passagem pelo Porto.
Por isso, aproveitei para conversar com o criador de “Morro da Favela”, tendo como pretexto o lançamento, esta semana, do livro em Portugal, pela Polvo – obrigado Rui Brito pela informação - ficando a conhecer um pouco melhor um dos autores brasileiros de BD (ou HQ!) mais interessantes do momento.

As Leituras do Pedro – Quem é o André Diniz Fernandes?
André Diniz – Nasci no Brasil a 5 de Setembro de 1975 e faço quadrinhos desde antes de saber ler.
Comecei por editar fanzines, fotocopiados, ainda antes de haver Internet (!) e, no ano 2000, criei a Nona Arte, uma editora de uma pessoa só, lançando dois títulos: “Subversivos – Companheiro Germano”, desenhado pelo Laudo Ferreira, e “Fawcet”, com arte de Flávio Colin. Este último foi marcante, não só pela colaboração com o mestre Colin, mas também porque teve uma boa receptividade e conquistou vários prémios.
Nestes dois livros apenas escrevi os argumentos. Sabia desenhar um pouco, já tinha feito algumas bandas desenhadas, mas sentia que para fazer algo a sério tinha que entregar o desenho a outros autores.
Depois, criei um site cuja intenção era divulgar os meus trabalhos, comecei a incluir obras de outros autores, esgotadas ou de pouca circulação e quando parei, já tinha mais de 450 obras aos quadradinhos.
Com outras obras que fui editando, quando o mercado brasileiro despertou para os quadradinhos, o meu trabalho já era conhecido. Em 2005, quando saiu o meu primeiro livro por um editor “de verdade”, já tinha ganho 12 prémios!
Desde então não editei mais nada sozinho e não sinto nenhuns remorsos!

ALP – “Morro da Favela” é a biografia do fotógrafo Maurício Hora. Como surgiu esta ideia?
AD – Tudo começou durante um almoço em casa da minha mãe, onde comentei que havia muita gente com vidas interessantes que ninguém conhecia e que gostava de fazer a biografia de alguém assim.
Um cunhado meu disse que conhecia o Maurício Hora, fez um apanhado do percurso dele e fiquei bastante curioso. Telefonei-lhe, apresentei-me e disse-lhe de imediato, pelo telefone, que gostava de contar a vida dele em BD. Fez-se um silêncio… e ele aceitou.
A partir daí, encontramo-nos várias vezes. No Rio de Janeiro, em qualquer sítio há uma favela, vê-se uma favela, mas quase ninguém as conhece de verdade. O Maurício levou-me à “sua” favela – Morro da Providência – várias vezes e descobri coisas boas e coisas más.
A primeira grande surpresa foi ver na favela tantas pessoas armadas como geralmente se vêem pessoas ao telemóvel. Mas, ao mesmo tempo, também descobri que a favela é quase como uma grande família! Claro que nas famílias, às vezes um cunhado mata outro (risos)!
Hoje, entendo perfeitamente que alguém diga que habita numa favela e não quer sair de lá. O Maurício tem uma visão única. A visão de alguém de dentro, mas também a de quem está fora da favela.
Quando escolhi a favela como cenário, não queria que fosse mais uma história de violência, embora soubesse que era impossível eliminá-la completamente…

ALP – Que aspectos o marcaram mais durante a criação de “Morro da Favela”?
AD – Houve muitos. Um dos que mais me marcou, foi quando percebi que ia narrar algo que ninguém poderia imaginar em ficção, quando o Maurício me contou o episódio em que teve de ensinar fotografia a 50 pessoas que não tinham máquinas fotográficas e saiu com elas pela favela, a fazerem enquadramentos com os dedos (forma um rectângulo com os polegares e os indicadores para exemplificar). Ninguém se lembrava de algo assim!
Também me tocou o episódio das visitas que fazia ao pai quando era criança. Comecei logo a imaginar uma cena terrível, numa prisão suja e degrada, com homens mal-encarados e afinal aquelas eram as melhores recordações de infância do Maurício. Ia ver o pai, havia muitas famílias a fazer visitas, brincava com as outras crianças, havia bolos, doces, coisas boas… Era uma verdadeira festa!
Muita da capacidade de emocionar que o livro tem deve-se ao Maurício.
Cresci muito como pessoa a fazer este livro.

ALP – Qual foi a reacção do Maurício Hora à obra pronta?
AD – Ele só quis ver no fim, mas tínhamos um acordo: o que ele não quisesse eu tirava. Na verdade, pouco foi alterado: uma página de que ele não gostou e uma ou outra fala…
Quando terminei entreguei-lhe o livro e fiquei à espera dos comentários. O tempo começou a passar, o editor queria o livro para mandar para a gráfica e nada. Pensei: não gostou. Ganhei coragem e falei com ele. Disse-me que não conseguia ler ais de 2 ou 3 páginas sem desatar a chorar, por sentir que tudo era tão fiel ao que ele tinha vivido.

ALP – O facto de desenhar em “negativo” foi uma opção por se tratar da biografia de um fotógrafo ou foi apenas uma questão estética?
AD – A partir de 2008, comecei a desenhar também. Esqueci tudo o que tinha feito para trás e tentei descobrir qual seria o meu estilo, o traço que mais se adequava ao que eu queria contar.
Tenho a mão muito pesada, parte bicos com facilidade, sinto uma certa dificuldade em trabalhar linhas curvas, delicadas… Procurei influências que me servissem: arte africana, cubismo… Demorei seis meses neste processo, algo bem obsessivo… Foi algo marcante que em grande parte definiu o que hoje. Agora, no cartão de visita, até já escrevo “ilustrador”. E até já fiz trabalhos de ilustração.
Passando ao “Morro da Favela”, como no fim do livro iam ser incluídas fotografias do Marcelo Hara, não quis retratar a favela com um traço rigoroso e realista. Aliás, desenhar uma favela é óptimo para quem não sabe perspectiva. Há edifícios inclinados para um lado, outros para o outro…
Para mostrar o lado rústico, rude daquele local, precisava de um traço assim, anguloso. A questão do “negativo” acabou por surgir durante as pesquisas que fiz, naturalmente, e depois de experimentar algumas páginas optei por ele.

ALP – Já tem o distanciamento necessário para olhar para o Morro da Favela de modo crítico? O que mudaria nele?
AD – Ainda não! Para já não mudaria nada! Mas se daqui a cinco anos continuar a achar o mesmo, haverá algo de errado, quererá dizer que não evoluí nada!

ALP – Depois das edições inglesa e francesa, segue-se a portuguesa. Houve algumas mudanças em relação ao original brasileiro?
AD - O texto é o mesmo, as únicas alterações são a capa, que é nova, e a inclusão de ilustrações que pedi a alguns amigos brasileiros: os gémeos Marcelo e Magno Costa, José Aguiar, Laudo Ferreira, Pablo Mayer, Ricardo Manhães e Will.
Editar em Portugal é muito importante para mim. Estou muito feliz, sinto-me como um fã da Marvel ou da DC Comics que consegue publicar nos Estados Unidos. Quando comecei a interessa-mer mais por quadradinhos li muitas edições portuguesas: a revista “Selecções BD”, álbuns da Meribérica, Astérix, Lucky Luke… que era preciso desencantar nos sebos, a bom preço… Também li revistas portuguesas como a “Grande Reportagem”, que me deslumbrava, pois na época não havia nada semelhante no Brasil.

ALP – Como estão os quadradinhos no Brasil?
AD – Eu estou a viver coisas que nunca imaginei possível!
Há mudanças no Brasil que acredito que vieram para ficar: a forma de ver os quadradinhos, a atenção da comunicação social, a existência de uma secção de BD em quase tidas as livrarias…
Há editoras só de quadradinhos, há grandes editoras com selos de quadradinhos… Mesmo editoras que nunca publicaram BD, estão abertas a propostas de quadradinhos que se ajustem à sua linha editorial.
Por outro lado, nos últimos anos o governo federal passou a incluir nas listas de livros a distribuir pelas bibliotecas, livros de quadradinhos. Para editores e autores isso é muito bom. Um livro seleccionado garante uma tiragem de 15 a 30 mil exemplares, o que é muito bom!
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