Aproveitando
o
lançamento da 2.ª edição de Morro da Favela
e
a
respectiva exposição,
com a colaboração da editora Polvo, As
Leituras do Pedro colocaram algumas perguntas aos autores, via
correio electrónico.
Por
razões diversas que não vêm ao caso, entre o envio do
questionário,
a recepção das respostas e a sua publicação, já passaram mais
de três meses,
mas
isso não invalida nem desactualiza o seu interesse e
serve como uma nova chamada de atenção para um livro que merece ser
lido - como já foi feito aqui.
As
Leituras do Pedro: Para
começar, qual a diferença entre a edição original de Morro
da Favela
e a actual?
André
Diniz: Esta
nova edição traz 12 páginas inéditas de BD, feitas anos depois da
edição original. Curiosamente, estas páginas só haviam sido
publicadas antes na edição polaca. Há também novas fotos do
Maurício
Hora, sobre quem a BD conta a trajectória,
e um acabamento mais de coleccionador,
em capa dura.
As
Leituras do Pedro: A
história
curta que complementa a edição, mostra
a
favela de Morro da Providência
no pós-publicação do livro.
Por que razão
foi criada esta BD?
André
Diniz: As
entrevistas com Maurício deram-se entre 2009 e 2010. O meu retorno à
Providência foi em 2017. Não parece tanto, mas nesse espaço de
tempo, as mudanças na região da favela e nos arredores,
sempre com consequências negativas aos moradores foram enormes. É
bom lembrar que foi o período no qual se deram a Copa do Mundo e as
Olimpíadas e o Rio de Janeiro foi o centro das duas. A região
portuária, onde a favela se insere, foi toda remodelada e um
teleférico foi construído
para facilitar o acesso à favela (funcionou por poucos meses e hoje
está parado e apodrecendo). A carreira de Maurício também teve
muitas novidades: novos desafios como fotógrafo
e a criação da Casa Amarela,
um centro cultural no alto do morro.
André
Diniz: Retornei
em 2017. Fora as mudanças na cidade, o teleférico, a Casa Amarela,
nada mudou de facto.
O apartheid social no Rio e no Brasil como um todo continua com toda
a força. A violência nas favelas mata mais que muitas guerras e o
resto da população aplaude. Se houve mudança nisso, foi para pior
(é só lembrarmos quem está no poder hoje).
As
Leituras do Pedro: Qual
a importância do livro Morro
da Favela
em termos pessoais e para a favela de Morro da Providência?
André
Diniz: A
importância enquanto autor é mais fácil de
descrever:
foi meu primeiro livro publicado fora do Brasil - no Reino Unido, em
França, Polónia e, claro, Portugal. Pessoalmente, além do grande
amigo que eu ganhei (refiro-me, claro, a Maurício Hora), foi muito
rico romper a barreira classe média / favela. Como brasileiro e como
indivíduo, cresci muito com essa experiência.
Sobre
a Providência, é maravilhoso trazer as diversas realidades de quem
lá vive para os demais brasileiros e para os leitores de outros
países. O frustrante é que os verdadeiros personagens - os
moradores da favela - não tiveram acesso ao livro, pelo preço ser
caro para eles.
As
Leituras do Pedro: Quando
Morro
da Favela
foi editado em Portugal, quase não chegavam cá as obras dos autores
brasileiros. Hoje, 7 anos depois, a situação
é
muito diferente. Achas que o teu livro contribuiu para isso de alguma
forma?
André
Diniz: Foi
o primeiro da colecção
de BD brasileira
da Polvo e teve uma óptima
recepção pelos leitores portugueses, então eu realmente acredito
que o Morro
da Favela
ajudou
bastante nesse processo. Mas, claro, se o panorama da BD brasileiras
não fosse tão rico, nada adiantaria criar essa ponte.
As
Leituras do Pedro: Entretanto,
mudaste para Portugal, onde vives já há
uns anos, mas os teus livros continuam a ser sobre o Brasil. Porquê?
André
Diniz: As
cidades onde se passam as minhas histórias têm um papel de grande
relevância. Foram períodos bem complicados para mim os anos em que
vivi no Rio de Janeiro (onde nasci) e em São Paulo. Minha saúde
emocional ficou em cacos. Por outro lado, histórias partem de
desafios, de medos, de conflitos, sejam cómicos
ou dramáticos. Nenhuma história começa com tudo tranquilo sem que
essa tranquilidade não se abale em algum momento. Então, as cidades
das quais eu ainda tenho muito o que exorcizar
são essas duas metrópoles brasileiras. Pela minha intimidade com
elas, sei mostrá-las sem precisar recorrer a cartões postais, posso
dar uma visão muito mais rica a elas através de suas nuances. Já
Lisboa ou qualquer outra cidade em Portugal não me desafiam.
Portugal me traz paz. Daí, paz não rende uma BD. Eu também ainda
conservo, mesmo depois de quatro anos, um olhar de turista, ainda
deslumbrado com o país. Nunca eu poderia falar de Portugal ao leitor
português, seria uma visão muito rasa.
As
Leituras do Pedro: A
distância
física
permite-te ver a realidade brasileira doutra forma?
André
Diniz: Hoje,
o mundo é tão pequeno que quase não faz diferença. Acompanho tudo
o que está acontecendo no país ao vivo, conversando com os amigos
pelas redes sociais. Vou lá uma vez por ano e fico sempre umas três
semanas. Já recebi na minha casa vários amigos brasileiros. Aí
juntando esse momento tão medonho que o Brasil atravessa,
coincidindo justamente com um período mais estável de Portugal,
então acaba que a minha cabeça está mais no que acontece lá do
que aqui.
As
Leituras do Pedro: E
quando teremos um livro do André Diniz sobre Portugal?
André
Diniz: Quando
eu tiver uma visão de Portugal que não seja mero deslumbramento!
(imagens
e foto disponibilizadas pela editora Polvo; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
Uma das melhores coisas que aconteceram no panorama editorial português dos últimos anos foram estas edições de autores brasileiros da Polvo. Para além da enorme qualidade das obras este é um contributo importante no estabelecimento de laços transatlânticos, dos quais beneficiamos todos. Não há autor português que não sonhe com o Brasil. Abraço!
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