Dia
15
de Abril
é o dia do Desenhador, em homenagem a Leonardo Da Vinci, e
foi esse o pretexto,
juntamente com os 30 anos de O
Corvo,
para uma entrevista com Luís Louro publicada no Jornal
de Noticias.
A
versão integral, bem mais extensa, pode ser lida já a seguir.
As Leituras do Pedro - Como te tornaste desenhador? Foi um acaso ou quiseste desde sempre?
Luís Louro - Desde que me lembro que queria ser desenhador, ou talvez mesmo antes… Acho que o útero da minha mãe devia estar todo rabiscado por dentro…! Desde criança que não me imagino a fazer outra coisa, se me queriam ver feliz, era com um lápis e um papel nas mãos. Astronauta era outra possibilidade, pois andava muitas vezes de cabeça na lua, mas nessas alturas a minha mãe “fazia o favor” de me trazer de volta à realidade…
As Leituras do Pedro - Tiveste alguma formação ou és auto-didacta?
Luís Louro - Sou um verdadeiro auto-didacta, pois nesse tempo não existiam tutoriais online, ou workshops de BD. Fui para a António Arroio para o curso de imagem e comunicação audiovisual na esperançado aprender mais alguma coisa, o que não se veio a verificar, pois na altura a banda desenhada era um assunto desconhecido no meio académico.
As Leituras do Pedro - Mais tarde, juntaste o argumento ao desenho. Quais as vantagens e desvantagens?
Luís Louro - As desvantagens são ter de fazer o trabalho todo, que por vezes é desgastante e demora supostamente mais tempo… As vantagens são fazer o trabalho todo e acabar por ser mais rápido!!! :)
Na realidade não tenho de estar à espera de terceiros para me entregarem mais páginas de argumento, ou ter discussões sobre o mesmo. Agora posso contar as minhas próprias histórias (e tenho muitas) e dirigir o argumento na direção que quiser, sobretudo do que me apetecer desenhar na altura. (Apesar de continuar a ter discussões comigo mesmo na minha cabeça… Afinal sou Gémeos.)
As Leituras do Pedro - No próximo ano passam 40 anos sobre a primeira BD que publicaste (Jim del Monaco - O elixir do amor, n’O Mosquito #10, 5.ª série, 1985) e há 30 saiu o primeiro álbum do Corvo (O Corvo, ASA, 1994), que já conta 7. Como olhas para trás, para uma carreira que chegaste a abandonar?
Luís Louro - Olho com orgulho, por ter feito sempre um trabalho honesto, sempre no limite das minhas capacidades. Sempre com paixão, dedicação e por vezes (muita) frustração. No entanto apesar de me assustar essa “enorme” quantidade de anos que referes, continuo a desenhar com o mesmo entusiasmo, se não mais… Em parte também devido aos meus leitores que têm sido fieis e sempre me apoiaram, e nunca desistiram de acreditar em mim, mesmo quando estive afastado por 7 anos, dedicado à fotografia.
As Leituras do Pedro - A certa altura trocaste a BD pela fotografia, mas o bichinho dos quadradinhos foi mais forte e tiveste de regressar?
Luís Louro - Sim com já referi dediquei-me à fotografia, outra das minhas grandes paixões, e sinceramente na altura estava tão desgastado com a BD que nunca pensei regressar. Como já referi vezes sem conta, tudo voltou num piscar de olhos, devido a uma entrevista pelo amigo e colega Diogo Carvalho, que me fez voltar a pensar na BD…
As Leituras do Pedro - Como nasceu o Corvo?
Luís Louro - O Corvo nasceu em circunstâncias estranhas (não poderia ser de outra forma). A editora tinha-nos pedido (a mim e ao Simões o meu argumentista na altura) uma história sobre Lisboa. Ao fim de cerca de 15 páginas ele deixou de ter disponibilidade para a BD devido a compromissos profissionais, e eu fiquei pendurado… E o projeto nunca foi finalizado. Ora, como não queria deixar passar esta oportunidade, atirei-me de cabeça
pela primeira vez para um argumento, e resolvi criar uma espécie de anti-herói lisboeta que tivesse algo a ver comigo e com o meu sentido de humor. (Aterrado, claro e sempre à espera de ser crucificado, o que estranhamente não aconteceu…) Desde aí tornei-me não um argumentista, mas sim um contador de histórias .
As Leituras do Pedro - Quem é o Corvo, afinal?
Luís Louro - Quando se diz que o Corvo é um trapalhão, um alienado ou mesmo um alucinado, eu tenho de discordar. O Corvo é um verdadeiro herói, pois é aquela pessoa que não tem qualquer tipo de capacidade especial ou jeito seja para o que for, e no entanto resolveu dedicar a sua vida a ajudar os outros!
As Leituras do Pedro - O que diferencia o Corvo actual do que surgiu há 30 anos?
Luís Louro - Penso que está mais maduro (isto é uma piada, claro está! como podes ver agora as minhas piadas são melhores… :))
Na realidade com o aumentar das aventuras o seu universo tornou-se mais consistente e cresceu exponencialmente desde 1994. Em termos de arte, acho que o Corvo chegou finalmente ao estilo gráfico que sempre imaginei, mas que na altura não conseguia “deitar cá para fora”.
As Leituras do Pedro - Esta evolução da personagem tem acontecido naturalmente ou é algo predeterminado por ti?
Luís Louro - A evolução tem sido natural, pois como referi, o seu universo vai aumentando e ao longo dos anos quero acreditar que também fui crescendo como contador de histórias e artista… o Corvo tem crescido a par e passo comigo como autor de BD.
As Leituras do Pedro - Cada vez mais, os álbuns do Corvo têm servido para abordares temas sérios num contexto humorístico: o bullyng na infância, o desajustamento social dos jovens adultos, a perversão e a falsidade por detrás de fachadas de seriedade, agora, em “O Despertar dos Esquecidos”, o abandono a que são votados os idosos… Afinal, que histórias queres contar?
Luís Louro - Eu sempre gostei de aventuras e de humor, no entanto também gosto de fazer critica social e abordar assuntos sérios, actuais e relevantes, e o Corvo é o personagem ideal para isso. Odeio o “novo politicamente correcto”, alguns dos meus leitores e amigos dizem que tenho andado sempre no fio da navalha, empoleirado no muro, sem nunca ultrapassar o limite… se calhar qualquer dia “esbardalho-me” todo!!!
As Leituras do Pedro - A banda desenhada portuguesa é parca em heróis, no sentido de personagens recorrentes ao longo dos anos. No entanto, tu criaste Jim del Monaco, Roques e Folque, o Corvo… Porquê este apego aos heróis?
Luís Louro - Acho que sempre gostei mais de ler aventuras de heróis que já conhecia, do que histórias isoladas… Permite irmos conhecendo e desenvolvendo os personagens de um modo mais consistente. Na realidade é como quando conhecemos uma pessoa nova, só com o convívio e com o passar do tempo, nas mais diversas circunstancias é que a vamos realmente conhecendo; o mesmo acontece no casamento :)
As Leituras do Pedro - No álbum mais recente, há uma série de páginas com fotos em que os fãs homenageiam o herói vestindo-se como ele ou imitando as suas poses, respondendo a um desafio que lançaste. Como avalias a reacção dos teus leitores? O que é que ela significa?
Luís Louro - A reação dos meus leitores foi fabulosa e o seu empenho extraordinário!!! São os melhores leitores do mundo!!! Não me canso de agradecer pelo carinho que me tem dado ao longo destes anos, e sempre que tenho possibilidade, gosto de dar algo em troca, para além do óbvio, o meu trabalho. Para mim os leitores significam o mundo, e por falar em mundo, sem o seu apoio, provavelmente já teria ido tentar ser Astronauta outra vez…
As Leituras do Pedro - Um dos temas actuais, quando se fala de desenho, é a utilização da Inteligência Artificial com esse fim. É uma ameaça real? A profissão de desenhador está em perigo?
Luís Louro - É algo que me assusta bastante e que abomino, não só tira trabalho aos verdadeiros artistas, como não cria nada de novo. Tudo o que “produz” é retirado e plagiado dos trabalhos que estão online, etc.
Os resultados por enquanto não têm alma, mas no futuro não sei como será e é algo que me preocupa bastante. Porquê pagar a um artista para me fazer uma ilustração, uma capa ou uma foto? se com agora com meia dúzia de cliques no teclado consigo fazer algo fantástico? (E ainda por cima auto-denominar-me artista!!!?)
E não, não confundam as coisas… NÃO é mais uma ferramenta, como dar a cor ou desenhar digitalmente, ou usar o aerógrafo ou o pincel, estas são ferramentas, o que significa que não funcionam sozinhas.
… Pois para isso tens de ter o talento para criar e desenhar, o que não acontece com a IA! Aliás o próprio nome diz tudo “Inteligência ARTIFICIAL” como é que alguém se consegue intitular artista de inteligência artificial como tenho visto por aí? É muito bom criar algo usando a IA (leia-se INTELIGÊNCIA ALHEIA).
As Leituras do Pedro - Que conselho davas a alguém que queira ser desenhador?
Luís Louro - Que estude muito e se candidate à NASA para ser astronauta…!
Luís Louro vai estar presente no Coimbra BD 2024, cujo cartaz é de sua autoria, onde está patente a exposição "Corvo: 30 anos, 30 pranchas".
(versão integral da entrevista feita através de mensagem electrónica que esteve na base do texto publicado no Jornal de Notícias de 15 de Abril de 2024; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Excelente!
ResponderEliminarMas já com 7 corvos posso sugerir um volume de compêndio, Omnibus, como se fez com o Dog Mendonça e Pizza Boy? Teríamos , talvez com extras, 400 páginas. Os primeiros corvos já estão esgotados e era porreirinho ter uma edição em bom papel, com cores restauradas, bom eu estaria comprador de uma edição destas, eu e muita gente, a ASA iria na conversa?
A sugestão até seria boa, não fosse o caso da Ala dos Livros estar a reeditar os primeiros álbuns. Devagar, porque o Louro não dá lhes descanso com os novos!
EliminarBoas leituras!
Não sabia essa da Ala dos Livros, vou estar atento. Obrigado.
EliminarReeditaram o Laços de Família.
EliminarBoas leituras!