Quando ouço ou leio na mesma frase as expressões “adaptação” e “texto original”, sinto de imediato um incómodo arrepio e forma-se rapidamente um sentimento de rejeição em mim.
Não só por isso - mas também… - a leitura
de A
Assembleia das Mulheres
foi sendo adiada no tempo. Erradamente, sei-o agora, porque a
adaptação, por Zé Nuno Fraga, da peça homónima de Aristófanes,
escrita há cerca de 2500 anos, originou uma banda
desenhada que merece plenamente esta designação e justifica uma
leitura atenta.
Se
esta é mais uma daquelas surpresas em que a BD nacional
recorrentemente é pródiga, com projectos aparentemente saídos do
nada, de inegável qualidade e interesse, tudo nesta adaptação
-
e vinco propositadamente o termo - parecia
à partida condená-la ao fracasso.
Pela
sua antiguidade - Aristófanes viveu entre 474 a.C. e 385 a.C. - e
pela opção da utilização
do texto integral original, pensado para outro tipo de suporte
narrativo.
[Porque,
sinto que devo esclarecer, a banda desenhada, a literatura, a
dramaturgia, a televisão, o cinema, têm regras de escrita próprias
que, geralmente, mesmo permitindo ao seu autor brilhar, pura e
simplesmente não funcionam noutro suporte narrativo. Por isso,
ainda, adaptar bem passa – geralmente…
- por
transpor a ideia e o espírito originais para os códigos narrativos
do novo suporte.]
Pese,
no entanto, todo o bom senso que serve de base ao que atrás escrevi,
a verdade é que, de forma admirável, Fraga foi capaz de planificar
as suas pranchas e de colocar nelas os actores de Aristófanes de tal
forma, que os diálogos do dramaturgo grego parecem ter sido escritos
directamente, palavra por palavra, para os seus balões de fala.
Graficamente,
o traço semi-caricatural do autor português, servido por um bom
trabalho de cor, revela-se ideal para complementar o tom irónico e
mordaz de A
Assembleia das Mulheres,
cujo enredo, de incómoda actualidade, parte de uma tomada, pacífica,
do parlamento ateniense pelas mulheres que, assim, passam a governar
e introduzem gradualmente uma ditadura feminina na cidade-estado, com
o beneplácito submisso e incoerente de quase todos os homens,
iludidos pelas promessas de comida e sexo.
Há 2500 anos, tal como hoje, alguém duvida
que são elas que fazem mover o mundo?
A
Assembleia das Mulheres
Zé Nuno Fraga
A Seita, Outubro de 2019
210 x 275 mm, 56 p., cor, capa dura
ISBN: 978-98-95457-43-4
14,00 €
(versão
revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 1
de Maio de 2020;
imagens disponibilizadas pela editora A Seita; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
Acredito que seja A Assembleia das Mulheres seja um bom livro de ler.
ResponderEliminarCumprimentos