História e Glória da Dinastia Pato
Como nasce uma saga
lendária
O PRIMEIRO PATO NA
LUA
Domingo, dia 20 de Julho de 1969, 19 horas e 18 minutos:
Neil Armstrong é o primeiro homem a pôr os pés na Lua, mas não o primeiro pato.
Na verdade, o Tio Patinhas já lá tinha estado, como descobriremos no início de
História e Glória da Dinastia Pato.
É neste histórico episódio que ganha vida a saga que os
leitores da Topolino encontrarão nas bancas a partir de quinta-feira, 2 de Abril
de 1970, juntamente com uma outra muito agradável surpresa: a oferta de uma
moeda de alumínio dourado.
“E não uma única moeda”, recorda Gaudenzio Capelli,
histórico director da Topolino e à altura vice-chefe de redacção, “mas oito. Em
anos em que eram raras as ofertas ligadas à publicação semanal da Disney,
aquela iniciativa em apoio da nova saga escrita por Guido Martina foi uma ideia
realmente vencedora. Depois da anterior 'Operação Dólar', que conduziu a um bom
incremento dos exemplares vendidos, esta nova iniciativa fez registar, semana
após semana, um aumento progressivo de difusão muito mais relevante. Confesso
que a ideia não foi minha, mas de Raimondo Mattioli, editor responsável pela
Topolino. Quando Mattioli viu as primeiras vinhetas desenhadas por Romano
Scarpa, quis ler todo o guião. Voltou no dia seguinte ao meu gabinete e sugeriu
de imediato que se apoiasse uma história tão importante com uma campanha
publicitária igualmente imponente.”
Uma iniciativa editorial realmente inesquecível, a da
História e Glória da Dinastia Pato, uma saga cheia de acontecimentos, piadas e
fabulosas personagens, entre as quais, a conhecidíssima figura televisiva
Ruggero Orlando, jocosamente rebatizado por Martina “Rugido Urlando”, autor de
um “rugido” que faz petrificar o Tio Patinhas, que, mesmo na Lua, tem os seus
tesouros escondidos para proteger. Enquanto, página após página, no primeiro
episódio o leitor descobre o motivo do grande desespero do Tio, na redacção
trabalha-se afincadamente na programação de toda a saga, que se desenrolará no
período de dois meses, articulando as 275 páginas previstas em oito edições.
“Guido Martina sempre foi um raio na escrita dos seus
textos. Isto não quer dizer, porém, que, para ele, este novo e importante
encargo fosse um passeio no parque, mas lembro-me de que manteve as entregas
programadas. Naqueles dias do verão de 1969, em Itália e no mundo, o feito de
Neil Armstrong e Buzz Aldrin estava na boca de todos. Martina, sempre atento a
colher inspiração nos mais importantes fenómenos mediáticos, aproveitou logo a
oportunidade, e explorou a grande notoriedade da alunagem para dar o pontapé de
saída à longa saga. Mas foi o Coronel Gian Giacomo Dalmasso, que tinha a
responsabilidade e a coordenação das histórias da Topolino, que se deu conta de
imediato que um único desenhador, ainda que com toda a antecipação prevista,
jamais seria capaz de produzir a cada semana as mais de trinta páginas da
história. Com Elisa Penna, então chefe de redacção da Topolino, e o director
Professor Mario Gentilini, decidiu juntar a Scarpa – que já se socorria da
colaboração do muito jovem Giorgio Cavazzano – outro grande autor disneyiano,
Giovan Battista Carpi. O projecto tornava-se assim ainda mais exigente. Tinham
posto em marcha uma grande história, realizada por um formidável escritor como
Guido Martina, queridíssimo por muitas gerações de leitores, fascinados por
tantas histórias, acima de todas 'O Inferno de Mickey', que nunca deixavam de
citar nas cartas que enviavam para a redacção. Para mais, a saga socorria-se
também da obra de três mestres da banda desenhada disneyiana como Carpi,
Cavazzano e Scarpa.”
Depois do primeiro episódio introdutório, desenhado por
Romano Scarpa, o leme passou para Giovan Battista Carpi, que levou os Patos do
presente ao Antigo Egito e depois à Antiga Roma a conviver, não só com os
legionários romanos, mas também com… As personagens que habitualmente povoam
Ratópolis, e que aqui respondem pelo nome de Bafo o Gladiador, de Patetus
Augustus Imperador e, depois, em terras espanholas, de Minnie Bela de Castela.
“Uma mistura hoje impensável e, sobretudo, contrária à política da Disney que
pretende que não haja contaminações entre Patos e Ratos. Mas naquela altura
tudo era possível.”
Na época, podia efectivamente acontecer que algumas directivas
gerais escapassem aos controlos, como a presença de um cigarro (apagado, por
sorte) na boca de um legionário romano, um cachimbo do condutor do táxi-quadriga
ou, em diversas ocasiões, o charuto aceso do Bafo-de-Onça.
Mas não eram apenas estas as liberdades que o brilhante
Carpi se divertia a tomar. Enquanto Scarpa – que desenhou o quarto e depois os
três últimos episódios da saga – continuava fiel ao estilo de Floyd
Gottfredson, Carpi adorava medir forças com novas experiências e
caracterizações. Com o mundo da Roma dos Césares à sua disposição não podia
deixar de prestar homenagem – pelo menos nas figuras secundárias – a Albert
Uderzo, o criador gráfico de Asterix, enquanto Martina, homem de profunda
cultura e dotado de grande ironia, se divertia a “lançar” nos diálogos passos
deliciosos (Gina da Ciociara? Humm… Não! Demasiado mulher! Giggi, o bandoleiro?
Também não pode ser, nasceu em Nápoles…) ou surreais (Lê-me o programa – diz
Patetus – sabes que só sei escrever!). Mas criava muitas vezes e
deliberadamente anacronismos históricos (um, como exemplo: o inventor
Pardalites Pitagorikon age mais de quatro séculos antes do seu alter ego
histórico) e seguia um percurso cronológico pessoal da evolução da saga dos
Patos, que se afastava em diversas ocasiões do que escrevera Carl Barks, o
Homem dos Patos, o autor que, mais do que outros, “canonizou” o universo de
Patópolis. Mas, como bom dramaturgo, não se pode deixar de reconhecer a Martina
um perfeito domínio narrativo durante toda a longa saga e o genial golpe de
teatro final que encerra todo o ciclo.
“Donald e Mickey, embora façam referência a universos
distintos, para nós representavam antes uma unidade imprescindível, enquanto
protagonistas de uma única revista, a nossa Topolino”, continua Capelli. “A
ideia subjacente ao projecto, não se limitava apenas à apresentação de uma saga
decorativa, de um apetecível objecto de colecção, mas foi a oportunidade para
lançar uma importantíssima operação de co-marketing: por cada volume das oito
partes da saga foi oferecida uma moeda para coleccionar.” Precisamente porque
todos pertencem à grande família da revista Topolino, era justo que as
personagens dividissem entre si, ainda que tendo em conta a popularidade, as
oito moedas: cinco para os Patos e três para os Ratos, sem esquecer que a
variedade de temas favoreceria a coleccionabilidade. Para mais, nos oito
números, que saíram para as bancas com datas entre 5 de Abril e 24 de Maio de
1970, foi realizada a “Operação Bilião“. “O Banco Comercial Italiano, com o
apoio da nossa revista, anunciava a criação de uma nova caderneta de poupança,
chamada ‘Caderneta Topolino’, onde era possível, mesmo para os jovens
aforradores, depositar pequenas quantias de dinheiro de cada vez. Ainda que
apenas 1.000 Liras.” Para promover a iniciativa, foi lançado também um concurso
que punha a prémio 6.500 cadernetas, cada uma já carregada com 10.000 Liras!
Mas como explicar aos jovens leitores o que é um banco e como funciona? Nada
melhor do que pôr a Topolino a fazê-lo. Aliás recrutou-se até um escritor do
calibre de Giovanni Arpino, que, nos primeiros números, deu voz (ou, melhor,
palavras) à narrativa das “aventuras bancárias” do Mickey, do Donald, do
Pateta, do Gastão e até dos Irmãos Metralha.
Mas, se as primeiras páginas do jornal enfatizavam a
operação poupança, noutras encontrava espaço uma posterior actividade
promocional: o anúncio de que o Porta-Moedas do Tio Patinhas fora posto à
venda. Este podia ser obtido mediante o pagamento, à editora Mondadori, de 150
Liras, o mesmo valor do preço de capa da Topolino. “Jamais uma saga foi tão
amada e recordada pelos leitores do que a História e Glória da Dinastia Pato, e
as numerosas e prestigiosas reedições ao longo dos anos apenas confirmam o seu
sucesso.” Dos dois volumes da série Oscar, com prefácio do director Mario
Gentilini, publicados em 1977 e reeditados três anos depois, até à edição
ricamente anotada de Tesori Disney em 2009.
Esta edição que agora o leitor tem em mãos inclui uma
história publicada no Brasil (e mais tarde em Portugal), que se considera fazer
parte da continuidade da saga. A história surgiu por motivos práticos, embora
hoje em dia já seja considerada um clássico no Brasil. Para complementar a
edição comemorativa nº 100 da Disney Especial brasileira, visto que a saga
completa (à data) não perfazia o número de páginas indicado para a revista, foi
encomendada a uma equipa brasileira uma nova história que fosse na sequência
daquilo a que a série se vinha dedicando. Assim, Gérson Teixeira no argumento e
Euclides Miyaura no desenho deram origem à Quinta Mosqueteira, uma história
ambientada na França do século XVII, prestando homenagem ao clássico da
literatura de Alexandre Dumas: Os Três Mosqueteiros. De destacar o facto de o
protagonismo acabar por recair em Margarida, o que era raro na altura, e que
acompanhou o lançamento de uma revista dedicada inteiramente a ela.
Preparem-se então para este êxito: uma história e uma glória
muito disneyianas que duram há mais de quarenta anos.
Especial História e
Glória da Dinastia Pato
20 de Maio de 2016
320 p., 3,90 €
(Textos e imagens disponibilizados pela editora; clicar nas
imagens para as apreciar em toda a sua extensão)
Comprei alguns das comix (e big) iniciais e fiquei algo desiludido. Creio que com a demsiada infantilidade das histórias vindas da Itália.
ResponderEliminarMas vou dar uma hipotese a este. Aparenta ser suficientemente interessante para isso.
pco69,
EliminarA BIG era para mim o projecto mais interessante da Goody no que à BD Disney diz respeito mas, como todas as revistas, dependia sempre do mix incluído. Quanto mais antigo o material, melhor... Deve ser defeito de quem leu BD Disney na infância e 'evoluiu' para outras paragens aos quadradinhos.
Apesar disso, specialmente na Hiper, vão-se encontrando algumas histórias actuais interessantes, mas penso que o grande problema é que a actual produção italiana é vocacionada para um público infanto-juvenil diferente do que eu era na idade deles...
Quanto à História e Glória da Dinastia Pato, é uma das grandes obras da BD Disney da década de 1970, assinada por uma série de grandes autores, e por isso merece todas as 'oportunidades'!
Boas leituras!
Ja li e tive a muito tempo a 1a versão tuga,tenho boas recordações.
ResponderEliminarAinda está disponível para compra, mas é provável que não existam muitos já:
ResponderEliminarhttp://www.assineagora.pt/detail.ud121?oid=10867111