Pode a forma sobrepor-se ao conteúdo e a discussão em torno
dela fazer esquecer o que é – deve ser – mais importante?
Sim e sim.
Tex Platinium, a
nova colecção da Mythos Editora, veio de alguma forma demonstrá-lo.
Associando-me à discussão levantada em fóruns e blogs – com
o conforto dos 7500 km de distância e a relativa ignorância da real situação
editorial naquele país, em geral, e das vendas das edições da Mythos, em
particular – parece-me que esta foi uma oportunidade perdida.
Actualmente, sem renegar as suas origens populares, Tex é
alvo de edições cuidadas um pouco por toda a parte: na sua Itália ‘natal’,
assistimos à republicação em livro de relatos clássicos e ao lançamento de uma
colecção em formato álbum - forma de (finalmente!) cativar alguns autores
franco-belgas?; em Portugal, a Polvo lança a colecção Romance Gráfico Tex; França e Espanha acolhem igualmente o ranger
em edições similares; no próprio Brasil, a reedição a cores dos Tex Gigante parece ser um sucesso e a
nova colecção Tex Graphic Novel
parece querer palmilhar o mesmo caminho.
Por isso, tudo indicava que o formato italiano seria o ideal
para esta Tex Platinum que, para mais
se propõe republicar (numa primeira fase?) as histórias já conhecidas de Tex Anual. Seria (mais?) uma
justificação para os fãs do ranger duplicarem a edição que já possuem, agora num
formato maior, mais consentâneo com a fruição da leitura, e a (melhor?) forma
de chegar àqueles que, menosprezando o formatinho, são potenciais leitores das
histórias do herói criado por Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini há quase
70 anos.
Mais a mais, sendo uma edição experimental como de alguma
forma está implícito no final da breve introdução aos autores, o risco não
seria assim tão grande e os benefícios poderiam ser maiores. Escrevo eu,
repito, com o conforto dos 7500 km de distância e a relativa ignorância da real
situação editorial naquele país, em geral, e das vendas das edições da Mythos,
em particular…
Mas, para não ser réu do meu comentário/acusação inicial,
vamos então a O Caçador de Fósseis,
uma banda desenhada originalmente publicada em Itália, em 1997, no MaxiTex #2 – de que a edição actual
herdou a capa, até agora inédita no Brasil.
Da autoria do espanhol António Segura, tem uma trama mais
complexa do que é habitual em Tex, desde logo porque são vários os
acontecimentos paralelos que narra e que ajudam a dar consistência à trama.
Por um lado, há a perseguição a Four Bears, um índio educado
por brancos mas que (por isso?) mantém aceso o seu ódio por eles. Do incêndio
no rancho onde vivia, até à sedição de parte da tribo onde nasceu, decorre um
longo percurso – semeado de muitas vítimas – sempre com Tex e Carson no seu
encalço. Durante o qual, conhecemos a sua história, os seus motivos, os seus
sonhos - e a justificação para ser quem é?
Por outro lado, há a competição, pouco saudável, entre os
grupos de Edward Cope e Charles Sutter, paleontólogos apostados em descobrir
fósseis de dinossauros em território índio, para revenda a museus americanos.
Para além da nota distintiva que acrescenta à trama principal, o cruzamento
entre ambos os relatos, embora necessária para o desfecho da primeira, acaba
por ser pouco mais que tangencial. Na verdade, facilmente Segura poderia ter separado
os dois relatos e ter escrito duas aventuras regulares em lugar desta mais
longa (350 páginas!).
A par disto, que já não é pouco, Segura introduz ainda duas
personagens bem conseguidas, marcantes e relevantes para a narrativa: Salomon,
o velho alcoólico pesquisador de ouro, qu introduz uma nota mais leve, até de
tom humorístico, e Red Barnum, um caçador de recompensas em fim de carreira e
em busca de redenção, que acentua o lado dramático e mesmo humano de O Caçador de Fósseis. No todo, e aqui referenciando
quase como anedota, posso acrescentar que Segura consegue ainda ilustrar até
onde chega o amor de mãe e até criar uma intriga romântica! Aspectos
acessórios, sim, mas que garantem mais complexidade e desenvolvimentos
paralelos e uma melhor definição de algumas das personagens secundárias.
Tudo, sem descaracterizar Tex e Kit Carson, que continuam a
assumir o protagonismo, nem os eus principais objectivos: cumprir a lei,
executar a justiça, exercer o direito de vingança.
Ao lado de Segura está José Ortiz, seu companheiro de muitos
anos e de muitas criações gráficas, com um traço magnífico, duro e realista,
assente em contrastes acentuados de branco e negro, magníficos, e numa
planificação que muitas vezes ‘esquece’ a norma Bonelli vigente das seis
vinhetas por página e que, para concluir voltando ao ponto de partida, poderia
ser melhor admirado se Tex Platinum
tivesse assumido o formato italiano…
Tex Platinum #1
António Segura (argumento)
José Ortiz (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Fevereiro de 2016
135 x 180 mm, 354 p., pb, capa mole, mensal
R$ 24,90 / 9,00 €
(texto publicado originalmente no Tex Willer Blog; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)
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