Quando
on mélange du jaune et du noir, c’est toujours du noir qu’on obtient.
In Un petit bout d’elles
Romance, racismo e tradição dão as mãos numa história que denúncia uma prática abjecta mas ainda em vigor: a mutilação genital feminina.
Yue Kiang é um belga de ascendência chinesa, a trabalhar como
madeireiro no Parque Nacional de Salonga, no Congo.
Foi nesse país que conheceu Antoinette, mãe dos pequenos
Léopold e Marie-Léontine, junto da qual procura mais do que a simples
satisfação sexual que os muitos chineses que com ele trabalham no parque e nas
grandes obras de construção civil, encontram na frequência das prostitutas
ucranianas e romenas no bordel local.
Fá-lo contra tudo e todos, quase apetece dizer. Afrontando o
sentimento dos naturais do país que, após séculos de colonialismo, olham de
lado todos os estrangeiros; contra os colegas de trabalho, que não entendem o
que tem a ‘negra’ mais do que as ‘brancas’; contra as ordens expressas do
patrão sobre relacionamento com as mulheres locais, pouco interessado em perder
o investimento feito no ‘seu’ trabalhador.
Apesar de tudo isso, a relação de Yue e Antoinette vai
evoluindo e, fruto da atracção mútua, Yue acaba por descobrir que ela foi
vítima de uma prática ancestral em África e em certos países da Àsia, a
mutilação genital – a ablação completa do clitóris – feita sem quaisquer condições
de higiene ou segurança, com uma lâmina de barba ou uma faca, por vezes
cauterizado com um ferro em brasa...
[Uma prática que tem
enormes riscos de infecção, impede o prazer sexual e aumenta o prigo de doenças
sexualmente transmissíveis e que afecta cerca de 200 milhões de mulheres. 2
milhões por ano – 500 000 na Europa…! -, 5500 por dia, 4 por minuto… 350 no
tempo que demorou a ler este livro, 12 durante a leitura deste texto… (dados do
dossier que encerra o livro, que explica, denuncia e lança pistas para a tentar
evitar).
Uma prática que tem
lugar em criança, assente na tradição – mas não em qualquer religião -, na
submissão da mulher ao homem, na garantia de um marido no futuro…]
A descoberta provoca em Yue um período de dúvida e de
afastamento, que ele terá que saber ultrapassar se quiser ajudar Antoinette a
prosseguir a perseguição dos seus sonhos, entre os quais evitar que a pequena
Marie-Léontine venha a passar pelo mesmo.
Mas, perante o enorme peso da tradição, será o amor dos dois
jovens capaz de o conseguir?
Zidrou e Beuchot depois de Le Montreur d’Histoires e do poético Tourne-disque,
concluem a sua trilogia africana com uma
abordagem cautelosa e sensível, mas sem abdicar do seu direito de denúncia e
acusação, de um tema delicado e ainda fracturante a muitos níveis.
O desenho de Beuchot, com influência manga, ligeiramente
caricatural para acompanhar os apontamentos de humor do argumento, assenta num
traço limpo e em cores quentes e particamente planas, denotando uma grande
legibilidade.
Zidrou, de novo, afirma-se como um dos grandes argumentistas
do momento. Conduz a história de forma pausada, apelando à emoção do leitor mas
sem perder a razão, gerindo a relação de Antoineette e Yue mas também a dela
com François Mitterand, um francês igualmente enfeitiçado pela bela negra, que
destoa um pouco no conjunto de estereótipos – bem reais – que compõem o livro e
servem como base para a denúncia pretendida..
A narrativa avança em paralelo com a do macaco sem rabo do
livro de histórias de Marie-Léontine, e com sucessivas mudanças do local de
acção, que alterna entre a casa de Antoinette e o local de trabalho de Yue, com
óbvios simbolismos entre a realidade de um local e a acção a decorrer no outro,
de cada vez deixando o leitor pendurado de um desfecho e puxando-o a prosseguir
a leitura.
Un petit bout d’elles
Série Trilogie africaine
Zidrou (argumento)
Beuchot (desenho)
Le Lombard - França, 20 de Abril de 2016
202 x 268 mm, 104 p., cor, capa dura
EAN 9782803635818
17.95 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar sobre elas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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