10/12/2018

André Oliveira: “Escrevo de acordo com aquilo que sinto e vejo, consoante a minha experiência e as ilações que vou tirando disto de estar vivo.”

Foto: Amadora BD 2015








É um dos mais importantes argumentistas de banda desenhada actuais no nosso país. A conclusão, após 7 fascículos em 5 anos de Living Will, foi o pretexto para uma conversa à distância.

As Leituras do Pedro - Living Will chegou ao fim após 5 anos. Como nasceu este projecto?
André Oliveira - Nasceu no meio de uma viagem de automóvel. Conduzir, a par de coisas ainda mais triviais como, por exemplo, estar no duche, é algo meditativo e catártico para mim. Consigo estar em silêncio, só com os meus pensamentos, a realizar uma actividade mecânica e que não necessita de grande raciocínio. Assim, perco-me no passado, em realidades paralelas e em ensaios para o futuro. Um dia, no caminho para casa, comecei a pensar nas várias relações pessoais que tive, nas que tenho hoje, e nas pessoas com quem me fui incompatibilizando ao longo do meu percurso. Situações de ruptura, outras mais difíceis de definir, algumas por minha culpa e outras nem por isso…
Nos 31 anos que tinha na altura eram já mais do que gostaria de contar. Daí a projectar isso num homem em fim de vida foi praticamente imediato, na necessidade que haverá em resolver assuntos inacabados e partir em paz. Julgo que será esse um dos objectivos fundamentais para alguém que observa a sua finitude demasiado próxima: buscar resolução. Até porque o que dizem é que todos morremos sozinhos. Mas, quanto a mim, isso não será inteiramente verdade. Morremos sob o peso da nossa memória.

As Leituras do Pedro - Quando Living Will começou a ser desenhado já estava todo escrito?
André Oliveira - O que fiz foi delinear uma estrutura, de modo a controlar o ritmo e a nunca perder o controlo da narrativa. Porém, a série foi escrita capítulo a capítulo, e só escrevia o próximo depois do anterior ser publicado, de assimilar feedbacks e as minhas próprias impressões acerca do mesmo. Penso que a história ganhou imenso com isso. Não só porque seria impossível identificar-me em absoluto com uma obra desta envergadura que tivesse escrito há cinco anos atrás como também seria difícil convencer a Joana Afonso, com todos os desafios que vai tendo de superar a nível académico e profissional, a ilustrar um álbum com 112 páginas a priori. Portanto, foi a forma viável e também a mais enriquecedora, porque me permitiu ir colocando experiências pessoais pelas quais fui passando e cometer menos erros narrativos.

As Leituras do Pedro - Apesar de o Will parecer o protagonista, a verdade é que ao longo da obra vão surgindo outros protagonistas e outras histórias, até comporem um retrato mais alargado. Que história querias contar?
André Oliveira - O protagonista é sempre o Will, embora haja outra personagem com grande peso na história que é a Betty. Todos os restantes são necessários para contar a história destes dois e para fortalecer as conclusões finais, porque qualquer coisa que façamos tem sempre impacto em alguém.
À primeira vista parece que a história principal está um pouco fragmentada mas tudo converge para a premissa estabelecida no primeiro volume. Era essa a história que queria contar e sinto que foi a que contei. A de um homem em desespero que procura acertar cada pequeno detalhe da sua existência para que possa morrer a sentir-se um pouco mais confortável na sua própria pele. Se isso é possível ou não, absoluta ou apenas parcialmente, cada um terá a sua própria opinião. Esta é a minha.

As Leituras do Pedro - Apesar de um final não completamente fechado, há um tom algo pessimista ao longo do relato que já senti noutras obras tuas. Tem a ver com a tua maneira de ser ou é apenas um recurso literário?
André Oliveira - O final de Living Will está completamente fechado, procurei que não ficassem dúvidas disso. Usei foi recursos metafóricos porque, no meu entender, foram aqueles que melhor serviram a história e salvaguardaram a dignidade da personagem principal. Relativamente ao tom não concordo que seja pessimista mas, sim, que reflecte a minha personalidade e visão do mundo.
Escrevo de acordo com aquilo que sinto e vejo, consoante a minha experiência e as ilações que vou tirando disto de estar vivo. Abordo-a muitas das vezes segundo perspectivas diferentes porque contemplo sempre múltiplas visões sobre cada assunto e agrada-me visitar universos variados enquanto autor. Quem me conhece sabe que sou um tipo divertido, entre muitos outros traços de personalidade ligados a qualidades e defeitos, mas existe uma percentagem considerável de angústia e melancolia em mim com a qual, vim a descobrir, muita gente se identifica. Algumas das minhas bandas desenhadas servem de canal para dar expressão a esse meu lado... Mas não todas.

Amadora BD 2017: apresentação de Living Will #7;
André Oliveira, Joana Afonso e Pedro Serpa
As Leituras do Pedro - Ao escreveres a história já estavas a pensar na Joana Afonso para a desenhar? Esse aspecto teve influência na tua escrita?
André Oliveira - Pensei primeiro na premissa da história e em trabalhar com a Joana imediatamente a seguir. Tive a felicidade que ela aceitasse porque apesar de já termos feito curtas de BD tinha como objectivo colaborar com ela numa obra de outra dimensão. De resto, quando escrevo penso sempre na arte do ilustrador que vai desenhar a prancha. Ajuda-me a tirar o máximo proveito da sua arte e faz com que ela (neste caso) se sinta mais confortável.

As Leituras do Pedro - Mas a meio houve necessidade de entrar na equipa o Pedro Serpa… Que mudanças é que isso implicou?
André Oliveira - No que diz respeito à minha escrita ou à história, nenhuma. A Joana não tinha disponibilidade para produzir a um ritmo que eu considerava minimamente aceitável para que a série não fosse esquecida ou se arrastasse demasiado no tempo e, por isso, incluí o Pedro no processo. Ele foi de uma humildade e profissionalismo extremos, procurando dignificar a obra prestando homenagem à arte da Joana sem nunca perder a autenticidade na sua própria arte. Porém, o método foi exactamente igual para um como para outro.

As Leituras do Pedro - Porquê a opção pela edição em inglês?
André Oliveira - Porque tinha como objectivo ir ao festival Thought Bubble, de Leeds, estabelecer contactos com editoras internacionais e porque na altura contava com o apoio da DGLAB, que me ajudava a enviar exemplares para vários países. Além disso, considerei que os portugueses que lêem este tipo de banda desenhada não se importam nada com o inglês e, desta forma, sempre chegava a um público mais vasto. Cheguei a ter a série à venda na livraria Gosh Comics em Londres e em princípio vou voltar a ter. Dado que preciso de tornar o projecto rentável, ter um grau de alcance alargado é sempre positivo.

As Leituras do Pedro - E porquê a edição em fascículos?
André Oliveira - Porque quis testar o formato de modo a reduzir o P.V.P. o mais possível, para contornar a barreira clássica à compra que é o preço. Além disso, por todas as razões artísticas e ligadas à viabilidade do projecto que já referi.

As Leituras do Pedro - Agora vamos ter finalmente o Living Will editado sobre a forma de livro?
André Oliveira - Claro que sim. Sob a forma de 7 fantásticos livros que estão disponíveis para venda! ☺
Muita gente tem perguntado isso e sinto que alguns o fazem porque preferem comprar um volume que aglomere tudo a adquirir os vários comics. A verdade é que tudo isto exigiu um esforço financeiro considerável da minha parte (a somar a todos os outros) e se a série não vender não só não vou recuperar o investimento como não vou poder pagar aos ilustradores. Aí, garanto, não darei qualquer sequência ao projecto porque tenho da parte do público todos os indicadores que preciso. Só posso dizer o seguinte: se gostam do que fizemos, por favor comprem. É um gesto de apreço e de carinho. E eu responderei ao mesmo da melhor forma.

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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