É
um dos mais importantes argumentistas de banda desenhada actuais no
nosso país. A conclusão, após 7 fascículos em 5 anos de Living
Will, foi o pretexto para uma conversa à distância.
As Leituras do Pedro - Living Will chegou ao fim após 5 anos. Como nasceu este projecto?
André
Oliveira - Nasceu
no meio de uma viagem de automóvel. Conduzir, a par de coisas ainda
mais triviais como, por exemplo, estar no duche, é algo meditativo e
catártico para mim. Consigo estar em silêncio, só com os meus
pensamentos, a realizar uma actividade mecânica e que não necessita
de grande raciocínio. Assim, perco-me no passado, em realidades
paralelas e em ensaios para o futuro. Um dia, no caminho para casa,
comecei a pensar nas várias relações pessoais que tive, nas que
tenho hoje, e nas pessoas com quem me fui incompatibilizando ao longo
do meu percurso. Situações de ruptura, outras mais difíceis de
definir, algumas por minha culpa e outras nem por isso…
Nos
31 anos que tinha na altura eram já mais do que gostaria de contar.
Daí a projectar isso num homem em fim de vida foi praticamente
imediato, na necessidade que haverá em resolver assuntos inacabados
e partir em paz. Julgo que será esse um dos objectivos fundamentais
para alguém que observa a sua finitude demasiado próxima: buscar
resolução. Até porque o que dizem é que todos morremos sozinhos.
Mas, quanto a mim, isso não será inteiramente verdade. Morremos sob
o peso da nossa memória.
André
Oliveira - O
que fiz foi delinear uma estrutura, de modo a controlar o ritmo e a
nunca perder o controlo da narrativa. Porém, a série foi escrita
capítulo a capítulo, e só escrevia o próximo depois do anterior
ser publicado, de assimilar feedbacks e as minhas próprias
impressões acerca do mesmo. Penso que a história ganhou imenso com
isso. Não só porque seria impossível identificar-me em absoluto
com uma obra desta envergadura que tivesse escrito há cinco anos
atrás como também seria difícil convencer a Joana Afonso, com
todos os desafios que vai tendo de superar a nível académico e
profissional, a ilustrar um álbum com 112 páginas a priori.
Portanto, foi a forma viável e também a mais enriquecedora, porque
me permitiu ir colocando experiências pessoais pelas quais fui
passando e cometer menos erros narrativos.
As
Leituras do Pedro - Apesar de o Will parecer o protagonista, a
verdade é que ao longo da obra vão surgindo outros protagonistas e
outras histórias, até comporem um retrato mais alargado. Que
história querias contar?
André
Oliveira - O protagonista é sempre o Will, embora haja outra
personagem com grande peso na história que é a Betty. Todos os
restantes são necessários para contar a história destes dois e
para fortalecer as conclusões finais, porque qualquer coisa que
façamos tem sempre impacto em alguém.
À
primeira vista parece que a história principal está um pouco
fragmentada mas tudo converge para a premissa estabelecida no
primeiro volume. Era essa a história que queria contar e sinto que
foi a que contei. A de um homem em desespero que procura acertar cada
pequeno detalhe da sua existência para que possa morrer a sentir-se
um pouco mais confortável na sua própria pele. Se isso é possível
ou não, absoluta ou apenas parcialmente, cada um terá a sua própria
opinião. Esta é a minha.
As
Leituras do Pedro - Apesar de um final não completamente fechado, há
um tom algo pessimista ao longo do relato que já senti noutras obras
tuas. Tem a ver com a tua maneira de ser ou é apenas um recurso
literário?
André
Oliveira - O
final de Living
Will está
completamente fechado, procurei que não ficassem dúvidas disso.
Usei foi recursos metafóricos porque, no meu entender, foram aqueles
que melhor serviram a história e salvaguardaram a dignidade da
personagem principal. Relativamente ao tom não concordo que seja
pessimista mas, sim, que reflecte a minha personalidade e visão do
mundo.
Escrevo
de acordo com aquilo que sinto e vejo, consoante a minha experiência
e as ilações que vou tirando disto de estar vivo. Abordo-a muitas
das vezes segundo perspectivas diferentes porque contemplo sempre
múltiplas visões sobre cada assunto e agrada-me visitar universos
variados enquanto autor. Quem me conhece sabe que sou um tipo
divertido, entre muitos outros traços de personalidade ligados a
qualidades e defeitos, mas existe uma percentagem considerável de
angústia e melancolia em mim com a qual, vim a descobrir, muita
gente se identifica. Algumas das minhas bandas desenhadas servem de
canal para dar expressão a esse meu lado... Mas não todas.
Amadora BD 2017: apresentação de Living Will #7; André Oliveira, Joana Afonso e Pedro Serpa |
André
Oliveira - Pensei primeiro na premissa da história e em
trabalhar com a Joana imediatamente a seguir. Tive a felicidade que
ela aceitasse porque apesar de já termos feito curtas de BD tinha
como objectivo colaborar com ela numa obra de outra dimensão. De
resto, quando escrevo penso sempre na arte do ilustrador que vai
desenhar a prancha. Ajuda-me a tirar o máximo proveito da sua arte e
faz com que ela (neste caso) se sinta mais confortável.
As
Leituras do Pedro - Mas a meio houve necessidade de entrar na equipa
o Pedro Serpa… Que mudanças é que isso implicou?
André
Oliveira - No que diz respeito à minha escrita ou à história,
nenhuma. A Joana não tinha disponibilidade para produzir a um ritmo
que eu considerava minimamente aceitável para que a série não
fosse esquecida ou se arrastasse demasiado no tempo e, por isso,
incluí o Pedro no processo. Ele foi de uma humildade e
profissionalismo extremos, procurando dignificar a obra prestando
homenagem à arte da Joana sem nunca perder a autenticidade na sua
própria arte. Porém, o método foi exactamente igual para um como
para outro.
As
Leituras do Pedro - Porquê a opção pela edição em inglês?
André
Oliveira - Porque
tinha como objectivo ir ao festival Thought Bubble, de Leeds,
estabelecer contactos com editoras internacionais e porque na altura
contava com o apoio da DGLAB, que me ajudava a enviar exemplares para
vários países. Além disso, considerei que os portugueses que lêem
este tipo de banda desenhada não se importam nada com o inglês e,
desta forma, sempre chegava a um público mais vasto. Cheguei a ter a
série à venda na livraria Gosh Comics em Londres e em princípio
vou voltar a ter. Dado que preciso de tornar o projecto rentável,
ter um grau de alcance alargado é sempre positivo.
As
Leituras do Pedro - E porquê a edição em fascículos?
André
Oliveira - Porque quis testar o formato de modo a reduzir o
P.V.P. o mais possível, para contornar a barreira clássica à
compra que é o preço. Além disso, por todas as razões artísticas
e ligadas à viabilidade do projecto que já referi.
As
Leituras do Pedro - Agora vamos ter finalmente o Living Will editado
sobre a forma de livro?
André
Oliveira - Claro que sim. Sob a forma de 7 fantásticos livros
que estão disponíveis para venda! ☺
Muita
gente tem perguntado isso e sinto que alguns o fazem porque preferem
comprar um volume que aglomere tudo a adquirir os vários comics. A
verdade é que tudo isto exigiu um esforço financeiro considerável
da minha parte (a somar a todos os outros) e se a série não vender
não só não vou recuperar o investimento como não vou poder pagar
aos ilustradores. Aí, garanto, não darei qualquer sequência ao
projecto porque tenho da parte do público todos os indicadores que
preciso. Só posso dizer o seguinte: se gostam do que fizemos, por
favor comprem. É um gesto de apreço e de carinho. E eu responderei
ao mesmo da melhor forma.
(clicar
nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Sem comentários:
Enviar um comentário