05/12/2018

Marcha para a Morte!

Contra a guerra

Com passos lentos mas seguros, a colecção Tsuru continua a trazer-nos obras-primas do manga, entre obras clássicas ou (mais ou menos) recentes.
No regresso de Shigeru Mizuki, depois do belíssimo Nonnonba, temos agora um líbelo acusatório contra a guerra e, mais do que isso, contra o absurdo - dizemos nós, ocidentais, e hoje - sentido de honra japonês.
Situado no final da II Guerra Mundial, este é um relato auto-biográfico, embora o papel original do autor - que perdeu um braço naqueles combates - tenha sido ‘entregue’ ao soldado Maruyama, que narra o papel - defensivo e (falsamente) ofensivo - do batalhão Naruse, na Ilha de Nova Bretanha (Bien, no presente relato).
Mais do que as expectáveis cenas de guerra, mais do que os horrores do combate ou as trágicas imagens das suas vítimas directas, Marcha para a Morte! é um relato (quase) documental das relações entre oficiais superiores, oficiais intermédios e os simples soldados, num contexto tenso e dramático, agravado pelos combates e pela falta de suprimentos. O desprezo dos oficiais pelos subordinados, a violência gratuita daqueles para com estes, o envergonhar e oprimir apenas porque sim, são o pão nosso quotidiano dentro do batalhão.
Se noutros contextos, seria natural um sentimento de revolta e de vingança, guiados pelo absurdo - reitero - sentimento de honra japonês, os soldados limitam-se a dar a cara - tantas vezes literalmente - e a pôr-se a jeito para que as constantes humilhações prossigam. Nem mesmo o recorrer desesperado a ataques suicidas - os únicos que garantem uma morte honrosa… - os leva - com raras e ligeiras excepções - a pôr em causa o estado das coisas, as ordens recebidas, as diferenças gritantes de tratamento.
Com estes parâmetros, a narrativa de Mizuki soa como um desabafo demasiado tempo reprimido, com as situações descritas a sucederem-se umas às outras quase sem tempo para respirar, quase como se o autor receasse não conseguir pôr cá fora tudo o que o atormentava.
Por isso, também não surpreende que, graficamente, haja alguma simplicidade, com as personagens traçadas com linhas leves e caricaturais, a destoar com o realismo quase fotográfico dos poucos cenários mostrados e das raras representações do inimigo. Quase como se este toque de realismo servisse apenas para contrastar com a ligeireza - não queria escrever ‘piada’ - do comportamento dos ‘bravos’ oficiais e soldados nipónicos.

Marcha para a Morte!
Colecção tsuru
Shigeru Mizuki
Devir
Portugal, Outubro de 2018
120 x 240 mm, 368 p., pb, capa mole com badanas
24,99 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

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