Para quem tem por hábito/gosto/função
divulgar e apreciar obras - no (meu) caso de banda desenhada - volta
e meia depara-se com livros cuja análise se revela custosa.
Pela proximidade com o autor, pelo medo
de (a crítica escrita) não estar à altura da obra lida, pela não
afinidade com o tema/estilo, simplesmente porque a obra não
tocou/despertou, por um misto de tudo o que atrás ficou...
Angola Janga
é uma dessas obras, pelas razões que vou tentar explicar a seguir.
Na maioria desses casos, o caminho mais fácil - envergonhadamente assumido - é optar por uma análise 'à distância', abordando mais o conteúdo - a história - que a forma - a maneira como ela está contada.
Na maioria desses casos, o caminho mais fácil - envergonhadamente assumido - é optar por uma análise 'à distância', abordando mais o conteúdo - a história - que a forma - a maneira como ela está contada.
No caso
de Angola Janga,
se a opção fosse essa, diria que é um livro que tem por base o
Brasil (colonial) dos séculos XVI/XVII, que narra a criação de
comunidades de escravos fugidos, no interior do território, na zona
de Pernambuco.
Eram
os 'palmares', onde os negros, trazidos à força de África (Angola,
Congo...) tentavam refazer a sua vida, retornar às suas origens
culturais e, acima de tudo, viver em paz.
Como em tantos outros exemplos
históricos, esta história de sobrevivência, viria a tornar-se numa
história de resistência e revolta, inevitavelmente condenada ao
fracasso devido à força e à força dos números daqueles que não
podiam admitir o 'desrespeito', o 'desafio', a simples ideia de que
negros pudessem querer ser mais do que 'simples escravos'.
Podendo
ter dado uma bela história de aventuras - num contexto similar,
mas numa abordagem completamente díspar, Tex:
Patagónia
(que
também tem edição portuguesa da Polvo) é
um (bom) exemplo disso - Angola
Janga,
não fugindo aqui e ali - inevitavelmente? - a uma vertente
aventurosa e de alguma acção, vai muito além disso, opta por um
outro tipo de aproximação.
[Com o correr da escrita - cujo
arranque foi custoso... - a tal 'análise à distância diluiu-se e
as impressões, as emoções, as sensações da leitura feita
foram-se vertendo naturalmente para estas linhas.]
Parentesis
à parte, a tal aproximação referida acima espelha - é só uma
sensação, embora apoiada também naquilo que Marcelo D'Salete foi
partilhando em entrevistas (como
esta)
- um grande empenho pessoal nesta história e nesta obra, quase uma
urgência de contar - de partilhar - um facto histórico importante
na génese da construção do país - multicultural - que hoje
conhecemos como Brasil, possivelmente desconhecido de muitos
brasileiros. Isso reforça, sem qualquer dúvida,
a dimensão humana do relato, em que os intervenientes - os escravos
fugidos, em especial os seus líderes, os senhores que os perseguem,
os capitães do mato que faziam das perseguições e capturas de
escravos fugidos o
seu modo de vida, os representantes da igreja (católica, obviamente)
nem sempre com espírito cristão - mais do que estereótipos ou
intocáveis personagens históricas surgem como seres realmente
humanos, com paixões e ódios, desejos e sentimentos, vontades e
ambições. O que justifica e sustenta os sonhos de uns, as traições
de outros, a ambição, o desejo de vingança pura e simples, a
procura da paz...
Mas, afinal, que aspectos tornaram
custosa a escrita deste texto? A meu ver, são dois,
fundamentalmente.
O primeiro prende-se com a questão do
ritmo ou da falta dele. Se há momentos em que é obrigatório parar,
pausar, obrigar o leitor a apreciar, a descobrir, a meditar no que
lhe é mostrado e contado, noutras cenas, em especial aquelas em que
a acção predomina e, por isso, o ritmo deveria aumentar, a opção
pela desconstrução do movimento em múltiplas imagens, a eleição
de a revelar através de múltiplas tomadas de pontos de vista, tem o
feito contrário ao desejado e torna contemplativo o que deveria
entrar 'pelos olhos dentro e acelerar o cérebro'.
O segundo aspecto, prende-se com a
dificuldade, nalguns momentos, de distinguir e identificar alguns dos
protagonistas, o que mais uma vez afecta a fluidez da leitura.
Se estes são aspectos menos conseguidos,
não são suficientes para não aconselhar a leitura deste enorme
fresco - que teve por base uma acurada pesquisa histórica que
transpira na narrativa sem afectar a forma ficcionada como ela é
feita nem algumas liberdades criativas que o autor assume - e que
pode ser lido independentemente da nacionalidade de cada um, apenas -
e que grande 'apenas' é este - como uma história humana de luta
pela sobrevivência e pelo direito à auto-determinação - valores,
afinal, tão (mediaticamente) em voga hoje em dia...
Angola Janga
Marcelo D'Salete
Polvo
Portugal, Novembro de 2018
160 x 230 mm, 432 p., pb, capa mole
com badanas
17,40 €
(clicar
nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Tive em parte a mesma reacção que tu, mas não concordo 100% com uma das críticas que fazes ao livro. Eu ia todo preparado para não gostar especialmente dele, é um tipo de BD de 'tese' que às vezes não me interessa especialmente, e não adoro o desenho do D'Salete. Mas não estava preparado para encontrar aquilo que na realidade é mesmo um 'page turner', que nos faz querer continuar a ler.
ResponderEliminarA crítica tua com que não concordo tem mesmo a ver com a planificação e as mudanças de ritmo do livro, que eu apreciei muito - e não tinha a noção que o D'Salete fosse tão bom narrador sequencial. Pessoalmente, achei que as pausas que se introduzem na narração são bem-vindas e fortalecem muito a narrativa, porque senão a história e a História tornar-se-iam talvez um pouco mais 'pesadas'. Mas concordo que por vezes não é fácil distinguir algumas das personagens e que isso atrapalha um pouco o fluxo da leitura.
Dito isto, é uma das GRANDES edições do ano, e devemos também dar os parabéns à polvo por ter conseguido colocar um livro deste ao preço a que está (suponho que em parte devido ao apoio que recebeu para a sua edição, mas que só fica bem ao editor ter retransmitido aos fãs e compradores.
Quis esperar até ler o livro na totalidade, para comentar. Mas como devido à forma de "comunicação" dos blogs, as coisas vão desaparecendo 'rápidamente' consoante são colocados novos posts, decidi comentar algo já.
ResponderEliminarJá li cerca de um terço em duas 'tentativas' de o ler totalmente.
A dificuldade com as fisionomias das personagens (negras sobretudo) é mesmo uma das coisas que me irrita mais neste livro. A outra é não me conseguir entusiasmar com a história em si e creio ser devido à forma como está a ser contada que não me consegue atrair.
Mas prontos, o Miracleman (usado apenas como exemplo comparativo) também não me atriu nada e ficou a meio, pelo que este estará em 'boa companhia' até voltar a agarrar neles :-)