22/02/2019

Caravaggio #2: O Indulto

De mestre para mestre





Milo Manara tornou-se conhecido como autor de banda desenhada erótica, mas reduzir a sua carreira e a sua obra apenas a isso, é ignorar o melhor do seu legado.
Manara já tinha dado mostras da sua versatilidade nas (soberbas) colaborações com Hugo Pratt - Verão Índio, El Gaúcho - ou Alejandro Jodorowsky - Bórgia - mas, em ambos os casos, muitos davam mais mérito aos dois argumentistas de renome com quem trabalhara, do que ao artista italiano, mas agora, já depois dos 70 anos de idade, volta a demonstrá-lo - desta vez como autor tanto da escrita quanto do desenho - deste díptico, dedicado ao pintor Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), integralmente editado em português pela Arte de Autor poucas semanas após a edição original francófona.
Em dois volumes, Manara, como que retribuindo a um dos artistas a quem reconhece inspiração e influência, traça um retrato vivo e palpitante de um homem inquieto e instável, dividido entre o dom que fez dele um dos maiores pintores de sempre - pelos enquadramentos ousados e com um quê de cinematográfico, pelos jogos de luz e sombra patentes na sua obra, pela invulgar capacidade de retratista... - e o seu carácter impulsivo e belicoso, que lhe provocaram inúmeros dissabores, como este segundo volume bem vinca.
Biografia fiel à História oficial conhecida, mas suficientemente romanceada para se tornar apelativa aos leitores, assente no traço realista e magnífico de Milo Manara, que parece não sentir a passagem do tempo, e em que mais uma vez - inevitavelmente... - brilha a perícia no desenho do corpo humano, embora aqui a par de um radioso desenho arquitectónico e da magnífica reconstrução de época. Depois de O Pincel e a Espada ter narrado os seus primeiros anos e a chegada a Roma onde o seu talento o tornou admirado e reconhecido, O Indulto - num título que (só) aparentemente encerra uma contradição... - após essa ascensão artística, narra a sua queda perante as perseguições dos poderes instituídos e dos inimigos que sempre foi granjeando, apesar dos mecenatos e dos muitos apoios de gente de todas as classes sociais, em consequência da forma impulsiva como sempre provocou os poderes religiosos e políticos, levando-nos a acompanhá-lo num percurso descendente até ao seu final, trágico, exilado e solitário, ignorando a redenção que tinha ao alcance da mão.

Caravaggio - Segunda parte: O Indulto
Milo Manara
Arte de Autor
Portugal, Fevereiro de 2019
320 x 240 mm, 56 p., cor, cartonado
19,00€

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a extensão; versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19 de Fevereiro de 2019)

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