Introdução
Obra
inovadora na continuidade - tentarei explicar mais à frente o
aparente paradoxo - O
Pacto da Letargia
é o primeiro grande lançamento deste novo ano e, mais do que isso,
confirma a mestria de um autor que continua a ser dos maiores que a
banda desenhada conhece.
A
descoberta de algumas notas perdidas por um assistente universitário,
vai colocá-lo na pista de um tríscelo, um artefacto da cultura
celta que outros cobiçam, numa história profundamente enraizada na
Galiza física mas também nas suas crenças mais ancestrais, em que
realismo e mitologia caminham a par.
Desenvolvimento
Na
minha mente, talvez porque o conheci assim, com
algumas
excepções
- O Manancial da noite,
Traço de Giz,
Tangências,
De Profundis...
serão as mais evidentes - pela obra de Prado perpassam - em comum,
quase sempre - duas fortes correntes temáticas: um humor absurdo,
crítico e de dedo acusador, e uma profunda preocupação com o ser
humano e o questionar das suas opções. Para além da sua ancoragem
numa realidade que, mesmo quando é distorcida e
ridicularizada,
é perfeitamente reconhecível.
Se
aquele sentido de humor está (quase
totalmente)
ausente de O Pacto da
Letargia,
a crítica ao ser humano e aos seus comportamentos - bem
para lá da questão ecológica que é aqui a mais forte - são a
base desta obra que, encontrando dessa forma o seu lugar n(um)a
continuidade temática, se desvia do realismo até agora assumido
pela introdução de seres da mitologia celta, despertados de um sono
de séculos, devido aos perigos que o nosso planeta corre. Uma
desavença entre estes últimos, motivada pela forma como encaram
a situação e diferem na sua abordagem,
vai colocar em perigo a realidade que
conhecemos
e acrescentar um toque mágico/místico a um relato que, por outro
lado - também
preponderante, mas cuja insignificância se afirma face à grandeza
das outras questões -
questiona os interesses académicos e denuncia
o tráfico de artefactos antigos e obras de arte.
Esta
temática multifacetada, impregna a obra de vários matizes e permite
que Prado, uma e outra vez, surpreenda o leitor pela forma como as
vai gerindo e combinando, quer nos avanços que a investigação vai
tendo, quer nas interferências - a favor ou contra - que o
fantástico vai nela introduzindo, quer,
finalmente, pela afirmação da individualidade humana e - apesar de
tudo - da sua crença nos seres imperfeitos que pululam por este
planeta.
O
final - auto-conclusivo mas aberto, que intui interacção futura
(necessária) com os outros dois tomos desta trilogia - dá muitas
das respostas que o leitor pede, mas deixa também uma zona de
indefinição que permite a cada um tirar conclusões
em função da sua maior proximidade com o real ou o com
místico.
A
reter
-
A capacidade de Prado se reinventar (tematicamente) como autor.
-
A sublime arte de Prado e a forma como insere nela a cor. Veja-se, a
título de meros exemplos, a prancha inicial, que abre este texto ou a visita de Rego ao
professor Ancares (pp. 22-26)
-
A edição da Ala dos Livros, de tamanho generoso, papel de boa
gramagem e excelente impressão.
-
O timing
desta edição, lançada em simultâneo com a francófona e três
meses antes (!) da espanhola.
Menos
conseguido
-
A opção, na segunda parte do livro - digo eu - por planos
próximos/médios que, se por um lado se revelam necessários para
possibilitar o aumento de ritmo que a aproximação do final pede,
esvaziam - o termo é propositado - a arte e tornam menos belas as
pranchas quando comparadas com as já citadas e com outras mais
preenchidas.
-
Prado levou cerca de dois anos e meio a escrever, desenhar e pintar O
Pacto da Letargia.
Sendo este o primeiro tomo da Trilogia de Trisquel, mantendo-se
o ritmo só daqui a cinco anos é que será expectável que ela esteja concluída…
Como vamos ser capazes de esperar tanto?
O
Pacto da Letargia
Miguelanxo
Prado
Ala
dos Livros
Portugal,
Janeiro de 2020
235
x 310 mm, 104 p., cor, capa dura
24,90
€
(capa disponibilizada pela Ala dos Livros; pranchas retiradas do blog de Miguelanxo Prado; clicar nelas para as aproveitar
em toda a sua extensão)
Boa tarde,
ResponderEliminarainda não encontrei o livro nas livrarias. Sabes me dizer, onde é que o posso adquirir sem ser encomendando - vi que a bertrand ou a wook já tem disponível para encomenda?
Bom dia, Estava à venda na papelaria Cult da Praça do Areeiro em Lisboa, isto no Sábado de manhã...é melhor telefonar para lá para confirmar.
EliminarA informação da editora é que os livros já seguiram para as livrarias; deverão estar à venda muito em breve, se é que entretanto já não estão...
EliminarBoas leituras!
Muito obrigado a ambos! Ainda hoje passo na cult, já que fica próximo de casa. Não me lembrei deles. Tentei barata, almedinas, bertrands, fnacs e ainda não tinham o livro em stock.
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