Os cegos vêem, os surdos ouvem e os coxos e aleijados correm
e voam.
Milagres? Não, heróis de banda desenhada!
Há 50 anos, atravessando um período de grande criatividade
Stan Lee imaginava mais um super-herói para a Marvel: chamava-se Daredevil e
tinha a particularidade de ser… cego.
Como acontecera com outros super-heróis já imaginados por
Lee – Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Hulk – na origem dos seus poderes
estava um acidente, narrado na revista com o seu nome, onde se estreou em
Fevereiro de 1964, desenhado por Bill Everett: o jovem Matt Murdock ao evitar o
atropelamento de um homem de idade, é atingido pelo conteúdo radioactivo dos
barris que o camião transportava, perdendo completamente a visão. Essa perda
seria compensada pelo extraordinário desenvolvimento dos outros sentidos, que
lhe permitiriam fazer uma vida quase normal.
Filho de um pugilista caído em desgraça, aprendeu com o pai
o significado das palavras esforço e justiça e, quando o progenitor foi
assassinado por bandidos por se recusar a vender os seus combates, tornar-se-ia
num justiceiro mascarado apostado em tornar o seu bairro de Hell’s Kitchen num
local mais seguro.
Combinando essa faceta com a sua carreira de advogado,
Murdock, com o tempo, devido à sua postura intransigente com a injustiça e o
crime, criou diversos inimigos, entre os quais o Rei do Crime e Bullseye.
Durante muitos anos herói da ‘segunda divisão’ da Marvel,
saltaria para a ribalta nos anos 80, quando Frank Miller se tornou o
responsável pela escrita das suas histórias, sendo memorável a saga Born Again (Demolidor: Renascido,
na recente edição da Levoir/Público) que narra a sua queda, perda do emprego e dos
amigos, e a posterior redenção. O seu relacionamento intenso mas atribulado com
Elektra ou a Viúva Negra estão na origem de outras das suas histórias mais
marcantes.
Ao contrário do que se possa pensar, Daredevil não é o único
nem sequer o primeiro super-herói com alguma limitação física. A estreia,
possivelmente, coube em 1941 ao Capitão Marvel Jr., um órfão aleijado na sua
versão humana, que ganha superpoderes ao pronunciar a palavra “Shazam”. Na DC
Comics encontramos igualmente o Joker e o Duas-Caras, vilões que sofrem de
aberrantes deformações faciais, ou Barbara Gordon, filha do comissário com o
mesmo nome e primeira Batgirl, que ficou paraplégica após um selvagem ataque do
Joker, assumindo a identidade de Oráculo.
Na Marvel, Thor é coxo na sua identidade secreta original de
Donald Blake, o professor Xavier, mentor dos X-Men, apesar de ser um dos mais
poderosos telepatas está preso a uma cadeira de rodas, Nick Fury, director da
SHIELD, é cego de um olho, e Tony Stark, alter-ego do Homem de Ferro, tem uma deficiência
cardíaca, entre outros exemplos de seres que nos habituámos a distinguir pelos
seus poderes extraordinários.
Com outros propósitos e de outras latitudes (aos
quadradinhos) chegam Dorinha (cega) e Luca (um paraplégico que se desloca em
cadeira de rodas), duas criações de Maurício de Sousa introduzidas na Turma da
Mônica em nome da inclusão social, para aproximar o bairro do Limoeiro do mundo
real com que os seus leitores contactam diariamente.
Com menor destaque, habitam também por lá Humberto, que é
surdo, ou André, autista.
Tati, vítima de Síndroma de Down, é mesmo a protagonista de Turma da Mônica: Viva as diferenças!,
uma edição especial lançada em 2012, no Dia Internacional do Síndroma de Down.
Esta mesma doença afecta Logan, um menino real cuja vivência
o pai transpôs para a BD online A Vidacom Logan, como forma de mostrar uma
realidade que muitos desconhecem.
Deste lado do Atlântico há também diversos exemplos. O mais
famoso será com certeza o (muito) surdo professor Tournesol, companheiro de
aventuras de Tintin, o que provoca muitas gargalhadas e o desespero do Capitão
Haddock.
Bouncer,
um maneta criado por Jodorowsky e Boucq, protagoniza o western hiperviolento
que tem o seu nome e está integralmente editado em português, tal como Silêncio,
uma obra-prima dos quadradinhos assinada por Didier Comés, que coloca um mudo
atrasado mental como alvo da maldade e da intolerância de uma pequena aldeia.
Ainda em português, em edições da Surd’Universo, estão editados
Léo, o puto surdo e Surdos,100 piadas,
ambos do francês Lapalu, visões bem-humoradas do quotidiano de quem não tem
audição.
Estes exemplos, não ficariam completos sem uma referência a um
dos mais famosos heróis dos quadradinhos, Astérix que, claramente, sofre de…
nanismo!
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de
25 de Fevereiro de 2014)
Parabens Demolidor uma história que tem boa arte é o Homem sem Medo do Miller/Romita Jr e claro Demolidor Amarelo.
ResponderEliminarSim, Optimus,
EliminarEssas são duas boas histórias do Demolidor e ambas foram publicadas em português.
Boas leituras!