17/07/2009

La Théorie du Grain de Sable – Tome 2

La Théorie du grain de sable – Tome 2 François Schuiten (desenho) e Benoit Peeters (argumento) Casterman (França, Setembro de 2008) 300 x 204 mm, 120 p., preto, branco sujo e branco, capa com badanas Resumo Neste segundo tomo de ”La Théorie du Grain de Sable/A teoria do grão de areia”, Schuiten e Peeters unem as pontas que foram espalhando no primeiro tomo, para darem uma conclusão lógica aos acontecimentos que começaram a ter lugar em Brusel, a 21 de Julho de 784: o aparecimento, vindos do nada, e a posterior acumulação de grãos de areia num apartamento e de pedras de peso constante (6793 gramas, um número primo) noutra casa ou na progressiva perda de peso, sem que no entanto emagreça, por parte de um chefe de cozinha, com os quais nos levaram a reencontrar anteriores personagens das Cidades Obscuras, como Mary Von Rathen (de "L'enfant penchée") e Constant Abeels (de "Brusel"). Desenvolvimento Foi longa a espera – de apenas um ano, na verdade, pois foi esse o intervalo entre os dois tomos na versão original francesa - mas a curiosidade era grande após a leitura do tomo 1. E o mínimo que se pode dizer é que a expectativa não foi iludida, quer pelo final inesperado, quer pelo toque tão místico que Schuiten e Peeters dão à conclusão desta história. A partir dos estranhos fenómenos a que Brusel assistiu, com uma fina ironia mas de forma consistente, os autores desenvolvem uma narrativa de contornos ecológicos sobre a confrontação – melhor, sobre as confrontações, cada vez em maior número, cada vez mais inevitáveis nos nossos dias – entre a civilização urbano e ocidental, com factores estranhos - nem melhores, nem piores, só diferentes - ou desconhecidos, provenientes de outros mundos, outras realidades, outras civilizações. Uma antevisão poética, talvez, mas mesmo assim criadora de dúvidas e receios legítimos, sobre o confronto ocidente/oriente, que muitos analistas consideram inevitável, e que poderá tomar muitas formas… No caso presente, os pequenos grãos de areia surgidos do nada que vão emperrar – e quase destruir - a máquina – nem sempre bem oleada, admita-se – que faz funcionar a grande metrópole de Brusel. Pelo caminho, pelos vários caminhos que como todos os seus álbuns também este tem – e esta minha leitura, não é mais do que isso, a minha leitura – aproveitam para homenagear o belga Victor Horta e a sua arquitectura arte-nova, representada pela sua Maison Autrique, sem dúvida personagem importante do relato, dado o lugar central que ocupa até ao seu misterioso desaparecimento e pelo seu posterior reaparecimento surpreendente, que deixo aos leitores descobrir. Ao mesmo tempo que convido também a reverem o traço sumptuoso de Schuiten, magnífico no preto e branco sujo, pintalgado de um branco forte, aqui perturbante, ali luminoso, além revelador, no traço fino e detalhado, na utilização de sombras, manchas de negro e de fabulosos contrastes de claro/escuro, no tratamento da figura humana quanto na representação de edifícios ou de paisagens naturais, na forma como a planificação, variada e heterogénea conduz o ritmo da narrativa, condiciona a nossa leitura e nos leva numa viagem inesquecível por este universo fantástico. (Versão revista e actualizada do texto publicado no BDJornal #24, datado de Outubro de 2008)

16/07/2009

A teoria do grão de areia - Tomo 1

A teoria do grão de areia - Tomo 1 Benoit Peeters (argumento) e François Schuiten (desenho) Edições ASA (Portugal, Junho de 2009) 300 x 204 mm, 112 p., preto, branco sujo e branco, capa com badanas Resumo Uma série de acontecimentos insólitos, aparentemente sem ligação entre si, leva Mary Von Rathen, “coleccionadora de fenómenos inexplicáveis”, até Brusel, para os investigar. Desenvolvimento Universo fantástico, só possível em BD, paralelo ao nosso, com múltiplos pontos de contacto, referências ou desenvol-vimentos, combinando presente, passado e futuro e dotado de cidades (quase) com vida própria - as verdadeiras protagonistas de cada livro - onde se distinguem alguns habitantes, atentos ou desencadeadores dos pormenores que despoletam cada história, a série "As cidades obscuras", associa o traço sumptuoso - mas extremamente legível e funcional - de François Schuiten, que cria e recria arquitecturas e mundos, e os argumentos inteligentes, ao mesmo tempo profundos e claros, de Benoit Peeters. Neste álbum, que começa com alguns factos insólitos aparentemente sem interligação, mas que se vão acentuando com o passar do tempo - a morte por atropelamento de um estrangeiro de aspecto bárbaro, a acumulação regular de grãos de areia num apartamento e de pedras de peso constante (6793 gramas, um número primo) noutra ou a progressiva perda de peso, sem que no entanto emagreça, por parte de um chefe de cozinha - mostrando o perigo do aumento descontrolado de pequenos problemas de fácil solução na sua origem, Peeters e Schuiten constroem uma fábula ecológica que alerta para os perigos do aquecimento global, ao mesmo tempo que mostram que o que vem de fora (da Europa comunitária…) não tem que ser obrigatoriamente mau, só porque é diferente. Nele, reencontramos a (já não) pequena Mary Von Rathen (de "A menina inclinada"), chamada de Phâry para conduzir o inquérito sobre os estranhos acontecimentos, e Constant Abeels (de "Brusel"), anos depois das histórias que (co-)protagonizaram, que vão ser observadores privilegiados dos insólitos fenómenos que dão um toque de fantástico, até aqui praticamente ausente na série, e que contrasta com o traço hiper-realista com que Schuiten, a pincel, construiu os cenários, e pontuam a acção deste livro, em formato italiano (deitado), que marca o regresso ao preto e branco (e branco - puro, uma "terceira" cor, de que só os leitores e Mary se apercebem, mas cuja mancha vai crescendo página a página), numa obra que reafirma a vontade de Schuiten e Peeters inovarem constantemente, pondo sempre em causa todas as soluções anteriormente experimentadas nas Cidades Obscuras e questionando continuamente o universo que criaram. A reter - O traço primoroso de Schuiten. - O desenvolvimento em crescendo do ritmo da narrativa, paralelo aos efeitos dos fenómenos em Brusel. - A forma como é utilizada a cor “branca”, a par do preto e do branco sujo, para acentuar os fenómenos fantásticos que dão o mote à história. - A bela edição da ASA, em tudo fiel à original. Menos conseguido - O único senão a apontar é o facto de este ser o primeiro de dois tomos, restando-nos aguardar pelo segundo, que está prometido até final do corrente ano. Com impaciência.

Curiosidade

- A edição à venda na FNAC é acompanhada do “DVD de Presse” francês, que inclui um documentário sobre o making-of do álbum. (Versão revista e actualizada do texto publicado a 11 de Julho de 2009 no suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

14/07/2009

Gil Jourdan – L’Intégrale #1

Gil Jourdan – L’Intégrale #1
Maurice Tillieux (argumento e desenho)
Dupuis (Bélgica, Junho de 2009)
220 x 300 mm, 240 p., cor, capa cartonada


Resumo

Primeiro volume da reedição integral de Gil Jourdan, uma das mais marcantes criações de Maurice Tillieux (1921-1978), para além de um texto introdutório, inclui as histórias "Libellule s'évade", "Popaïne et vieux tableaux", "La Voiture immergée" e "Les Cargos du crépuscule".

Desenvolvimento
Clássico dos anos 50 e 60, criado quando Tillieux se juntou à revista Spirou, Gil Jourdan é o exemplo perfeito – e possivelmente o primeiro exemplo – de um conseguido casamento entre o tom policial e o registo semi-humorístico. Para o conseguir, foi necessário um autor de eleição como Tillieux hábil no desenvolvimento das histórias, convincente nos casos criados, equilibrado entre os momentos narrativos e os de acção, mestre na criação de situiações de suspense no fim de cada página, como obrigava a publicação semanal em revista, insuperável na construção dos diálogos, ao mesmo tempo credíveis e divertidos, contidos e esfusiantes, e com os incontornáveis trocadilhos de Libellule.
A galeria de personagens é outro dos trunfos desta série, que passou incólume quase meio século, com o protagonista Gil Jourdan, um recém-licenciado em Direito que se torna detective particular, a ser ladeado por Libellule, um criminosos que ajudou a evadir, Crouton, um inábil (para não dizer pior…) polícia e a sua eficiente secretária Queue-de-Cerise.
Nas quatro histórias aqui reunidas – na verdade apenas três, poisas duas primeiras formam um (pouco habitual na época) diptíco – Jourdan enfrenta e desbarata um bando de traficantes de arte e droga, descobre um assassino e neutraliza um plano para apropriação fraudulenta de um seguro. Erece um destaque especial "La Voiture immergée", um relato de pura dedução, que na sua maior parte se desenrola numa estrada (inspirada na realidade) entre o continente e uma ilhota, que fica submersa pela maré na maior parte do tempo, onde (quase) tudo acontece, no qual Tillieux consegue criar momentos de extrema tensão.

A reter- A frescura de uma obra com 50 anos.
- O ritmo e o tempo certos das histórias e o equilíbrio perfeito entre o registo policial e de humor.
- O texto introdutório que apresenta o autor e a personagem e analisa cada uma das histórias.

Curiosidades
- Se quase apetece copiar integralmente todo o (belo) texto introdutório de apresentação do autor e dos seus heróis, quero citar três curiosidades nele referidas: Tillieux foi “empurrado” para a BD por “não saber escrever nem desenhar”, o nascimento de Gil Jourdan deveu-se a uma mudança de editor e, por uma vez, foi mecânico de François Schuiten!
- Nas primeiras histórias de Gil Jourdan, Tillieux “reciclou” gags e ideias anteriormente desenvolvidas por si na série “Félix”.

Desabafo
- Eu sei que o país é diferente, que a realidade - económica e cultural… - também e até percebo as razões: tiragens mais levadas, inexistência de custos de tradução e legendagem, fotolitos já existentes, menores custos com direitos de autor… Mas não posso deixar de sentir inveja dos belgas, franceses e suíços quando olho para estas belas edições integrais com o quádruplo das páginas de um álbum normal e um preço que mal chega ao dobro…

09/07/2009

Lance #2

Lance – Volume 2 (de 4)
Warren Tufts (argumento e desenho)
Libri Impressi (Maio de 2009)

234 x 333 mm, 96 p., cor e pb, brochado com badanas

Resumo

Lance St. Horn, tenente (indisciplinado) do exército norte-americano vive grandes aventuras que só têm paralelo nas paixões que provoca.

Desenvolvimento
O segundo tomo da reedição integral deste western clássico de recorte humano, datado de meados dos anos 50 do século passado e ambientado nos primeiros anos da expansão para o oeste selvagem, destaca-se mais uma vez pela superior qualidade da edição, da responsabilidade do português Manuel Caldas que gastou em média 15 horas no restauro de cada prancha da obra a partir de páginas de jornais da época, obtidas no Ebay, pois já não existem as provas originais.
Este segundo volume tem a particularidade de incluir não só as magníficas pranchas dominicais, coloridas, mas também as tiras diárias, a preto e branco, tendo estas sido de curta duração, pois publicaram-se apenas durante 16 meses, enquanto a série durou cinco anos.
Isto não retira interesse à narrativa, com a história dividida entre as proezas heróicas de Lance St. Lorne, um impetuoso e impulsivo (e por vezes indisciplinado) tenente do exército norte-americano, com uma visão muito pessoal do sentido do dever, sempre ao lado dos mais fracos e desfavorecidos, e as paixões amorosas que vai desencadeando. Neste volume, entre o combate à ofensiva desencadeada pelo chefe índio Nariz Partido e a tentativa de ajudar os caçadores montanheses ao lado da jovem e fogosa Valle, com quem acaba por casar, sobra tempo para um curto mas belíssimo interlúdio, compostos pelas pranchas 79 a 85, que revelam toda a mestria narrativa e gráfica do traço clássico de Tufts, a sua soberba aplicação de cores e a sua invulgar capacidade de emprestar emoções bem humanas aos seus heróis de papel.

A reter
- A edição em si.
- A paixão e o cuidado postos no restauro dos originais por Manuel Caldas.
- O episódio das pranchas 79 a 85.

Menos conseguido
- Eu sei que a edição integral obrigava à publicação como ela é feita, alternando as pranchas dominicais com as tiras diárias, mas a verdade é que a sua leitura conjunta, retira dinamismo à acção, tornando-a mesmo algo repetitiva, uma vez que a narrativa das tiras, embora aprofunde e acrescente pormenores ao todo, começa um pouco antes do fim da prancha dominical anterior e termina um pouco depois do início da prancha seguinte…
- É inacreditável que o primeiro volume de Lance não tenha vendido em Portugal os míseros 700 exemplares necessários para o pagar e garantir novo tomo. Depois queixem-se que não há banda desenhada em português. Quando há – e com esta qualidade - não a compram! Bem podemos agradecer aos nossos vizinhos espanhóis a possibilidade de ler este volume #2.

Curiosidades
- As pranchas dominicais de Lance foram publicadas entre 5 de Junho de 1955 e 29 de Maio de 1960, enquanto que as tiras diárias existiram de 4 de Janeiro de 1957 a 17 de Maio de 1958.
- Segundo (o especialista) Manuel Caldas, “o belíssimo interlúdio do episódio de Muitas Túnicas esteve para ser passado ao cinema na época em que a série se publicava”.

(Versão revista e actualizada do texto publicado a 20 de Junho de 2009 no suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

06/07/2009

Nas bancas: Tex Anual #9 - Forte Saara

Tex Anual #9 - Forte Saara
Claudio Nizzi (argumento) 
Roberto Diso (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Dezembro de 2007)
136 x 178 mm, anual, 332 p., pb, capa brochada

Um ataque a um comboio em que viajam Tex Willer e Kit Carson, leva-os a envolverem-se com um grupo de ex-soldados da Legião Estrangeira que ainda funcionam como tal, o que faz com que a história fuja ao que é habitual nas aventuras do ranger, em termos temáticos e também de cenários, o que a torna uma agradável surpresa. E pese embora um final algo apressado, a narrativa, com uma forte componente humana, está bem delineada e explanada, e foi desenhada de uma forma limpa e agradável por Diso.

03/07/2009

Nas bancas: Turma da Mônica Jovem #6

Turma da Mônica Jovem #6
Estúdios Maurício de Sousa
Panini Comics (Brasil, Janeiro de 2009)
160 x 210 mm, mensal, 128 p., preto e branco, brochada

Resumo

Mônica, Cebola, Cascão, Magali e Franja vão numa visita de estudo até uma estação espacial, comandada pelo Astronauta, próxima de Marte, onde terão de enfrentar perigos inesperados.

Desenvolvimento
Confesso que duvidei quando soube do lançamento da Turma da Mônica Jovem, a versão adolescente dos heróis criados por Maurício de Sousa.
Mas, após 6 números, confesso-me rendido. A Turma da Mônica Jovem é uma criação bem pensada, com escrita competente e um desenho atraente, equilibrada entre a ponte que faz com o passado da Turminha e as (muitas) novas vias que abre para o seu futuro, com imensos piscares de olho às (outras) séries que o seu público-alvo, os adolescentes (principalmente), conhecem e curtem na TV, em jogos de computador ou em histórias aos quadradinhos. Equilibrada também no tom que assume, entre a aventura, a acção, o romance e o humor, com destaque para os gags em torno das especificidades da própria banda desenhada.
Para além disso, tem um bom ritmo, capaz de prender o leitor ao longo de mais de uma centena de páginas, em suspense crescente, como nesta edição, ou de passear pelo quotidiano (normal) dos (novos) heróis como se viu na edição #5. Agrada, assim, tanto a velhos fãs da série quanto a novos, a rapazes quanto a raparigas.

A reter
- A forma convincente como Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e todos os outros cresceram, mantendo no entanto as características que lhes eram (re)conhecidas.
- O argumento desta edição, da responsabilidade de Marcelo Cassaro, com diálogos vivos que conduzem toda a narrativa, sublinhando os momentos-chave da trama e as dúvidas, emoções e sentimentos próprios dos adolescentes.

Menos conseguido
- A indefinição da época em que as personagens vivem. No presente, como visto na edição #5 ou num futuro (algo) distante, como nesta?
- O vazio da maior parte dos fundos das vinhetas, sejam as histórias fantásticas, sejam as do quotidiano. Um aspecto a melhorar, sem dúvida.

Curiosidades
- Esta história é baseada na longa-metragem de animação “A Princesa e o Robô”, protagonizada pela Turma da Mônica em 1983.
- Como na saga inicial, publicada na Turma da Mônica Jovem #1 a #4, são muitas as referências feitas, quer internas (Astronauta, Xabéu, Zé Luís), quer externas (Transformers, Usagi Yojimbo)… Cabe ao leitor descobri-las, aumentando os laços e afinidades com a Turma da Mônica Jovem e as suas aventuras.

01/07/2009

As Melhores Leituras de Junho

- Lance Volume 2 (de 4) (Libri Impressi), Warren Tufts
- Tex Gigante #6 – A Última Fronteira (Mythos), Nizzi e Parlov
- Superman & Batman #39 (Panini Comics Brasil)
- Les Sentinelles #1 e #2 (Delcourt), Dorison e Brecci
- Rafael Bordalo Pinheiro – Fotobiografia (Assírio & Alvim), João Paulo Cotrim
- 11-M La Novela Gráfica (Panini Comics Espanha), Gálvez, Guiral e Mundet
- Clássicos da Revista Tintin – Rock Derby (ASA + Público), Greg

29/06/2009

11-M La Novela Gráfica

11-M La Novela Gráfica
Pepe Gálvez e Antoni Guiral (argumento)
Joan Mundet (desenho)
Francis Cuadrat, Norma Cuadrat e Marina Ariza (cor)
Panini Comics (Espanha, Maio de 2009)
190 x 282 mm, 112 p., cor, capa cartonada

Resumo
A 11 de Março de 2004, Madrid sofreu vários atentados terroristas em diversas estações ferroviárias, perpetados por islamistas radicais.
Como consequência das explosões faleceram cento e noventa e uma pessoas: trinta e quatro na estação de Atocha, sessenta e três na rua Téllez, sessenta e cinco na estação de El Pozo, catorze na estação de Santa Eugénia e quinze em diversos hospitais de Madrid. Para além disso, ficaram feridas 1857 pessoas.
Este livro faz o relato do que aconteceu naquele dia, tendo como base o laudo do tribunal que viria a condenar 21 pessoas envolvidas nos atentados.

Desenvolvimento
Antes de tudo, esta é uma obra documental. Algo que a banda desenhada (também) tem mostrado saber fazer. Uma obra que narra, cronologicamente, a preparação do atentado, a sua realização e alguns dos acontecimentos que se seguiram até à condenação (de alguns?) dos terroristas nele implicados. Uma vez que segue de perto o laudo final do tribunal, o relato pode soar algo impessoal e sem emoções (embora isto não seja de todo verdade…), o que é propositado, ou não fosse o horror dos factos suficiente para abalar o leitor.
Por isso os autores tentam ao máximo ser simples relatores, não tomando posição nem fazendo da obra um líbelo acusatório, abordando apenas aquilo que ficou provado em tribunal. Não o fazem em relação aos atentados em si, nem à forma como o governo espanhol tentou utilizá-los em seu favor ao atribuí-los à ETA, o que acabou por ter consequências funestas, ou seja a perda das eleições que decorreram poucos dias depois.
A utilização de três personagens fictícias - um jornalista, um familiar de uma das vítimas e um polícia - tem três objectivos, cumpridos: por um lado, aligeirar a carga documental do relato, conferindo à narrativa o ritmo e o dinamismo necessários para lhe dar legibilidade; por outro, atenuar o efeito de alguns saltos cronológicos (necessários), fazendo a ponte entre eles; finalmente, a par do relato "burocrata" do tribunal, mostar o papel que tiveram as "pessoas reais" durante o fatídico dia e os meses seguintes e como os atentados afectaram as suas vítimas indirectas, conferindo assim algum dramatismo ao relato. Os três, com especial destaque para Paco, o jornalista, surgem, no entanto, como bem reais, de carácter bem definido e não estereotipados.
O traço de Mondet, realista, mostra a sua faceta de ilustrador, algo preso de movimentos, mas no geral revela-se competente e equilibrado.

A reter
- A legibilidade da obra, apesar do seu peso documental.
- Alguns apontamentos gráficos bem conseguidos, como a (eventual) troca de olhares entre os terroristas e as suas futuras vítimas, minutos antes dos explosivos cumprirem a sua função assassina (página 27), a alegoria ao quadro "Guernica", de Picasso (pp. 36-37) ou o lápis de bico partido (p. 43).

Menos conseguido
- Alguns desiquílibrios ao nível do desenho, nomeadamente quando o traço fica demasiado preso ao seu modelo fotográfico.

Curiosidades



- O livro tem prólogo de Pilar Manjón, mãe de uma das vítimas mortais do atentado e presidente da Associação 11-M Afectados por el Terrorismo.
- Os dois argumentistas são, também, especialistas em banda desenhada.

28/06/2009

Là où vont nos pères

Là où vont nos pères
Shaun Tan (argumento e desenho)
Dargaud (França, Março de 2007)
240 x 320 mm, 128 páginas, cor, capa cartonada


Resumo
Um homem faz a mala, despede-se da mulher e da filha e parte. Embarca num navio e cruza o oceano, rumo a um país desconhecido, à terra prometida. É (mais) um emigrante.

Desenvolvimento
Esta é (mais) uma história de emigração.
Que começa com um homem que se despede - de forma pungente. E que depois parte. Só, com uma mala de mão. Com poucos pertences e uma fotografia. Talvez o mais valioso de todos. Uma fotografia de uma família, da sua família: ele, a mulher e uma filha pequena.
O homem parte para longe. Para o outro lado de um vasto oceano. Para um admirável - mas assustador - mundo novo. De linguagem incompreensível. De escrita indecifrável. Com novos animais, novas plantas, novos alimentos. Lá chegado, só - ainda mais só -, tem que arranjar alojamento, um emprego… uma nova vida. Uma nova forma de viver.
Esta é a história de muitos (de quase todos?) os emigrantes: abandonar os entes queridos para procurar melhores condições de vida (os seus sonhos?). E é também a história deste notável "Là où vont nos pères".
Notável porque é um enorme romance mudo, feito de imagens aparentemente soltas, trabalhadas a lápis, em incómodos tons de cinzento e sépia, por Shaun Tan.
Notável pela forma como explode em imagens de página inteira ou as monta até 30 por página, como forma de apressar ou retardar o ritmo da narrativa, de revelar mudanças de espírito, de nos surpreender numa paisagem, de nos reter num pormenor, de nos emocionar numa descoberta ou com um revés.
Notável na forma como retrata o desconhecido, como transmite emoções e sentimentos, como ilustra o passar do tempo.
Notável, ainda, porque diz, porque faz acreditar que a integração dos emigrantes é possível, que os sonhos se concretizam…

A reter
- O traço realista, quase fotográfico, de Shaun Tan.
- O ritmo que a obra tem, graças à forma como o autor montou as imagens.
- A cuidada edição da Dargaud.

Curiosidade
- "Là où vont nos pères" foi considerado o Melhor Álbum editado em França em 2007 pelo júri do Festival de BD de Angoulême.

(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Abril de 2007)

26/06/2009

Armazém Central












1. Marie
2. Serge
Régis Loisel e Jean-Louis Tripp (argumento e desenho) Edições ASA (Portugal, Janeiro e Outubro de 2007)
227 x 302 mm, 80 e 72 p., cor, capa cartonada

Resumo Histórias do quotidiano rural do Quebeque dos anos 20, contadas a partir do (grande) armazém central da pequena povoação de Notre-Dame-des-Lacs.

23/06/2009

Les Sentinelles

Les Sentinelles
Chapitre premier: Juillet-Août 1914 – Les moissons d’acier
Chapitre deuxiéme: Septembre 1914 – La Marne
Xavier Dorison (argumento)
Enrique Breccia (desenho)
Delcourt (França, Maio de 2009)
265 x 312 mm, 64 p. (cada), cor, capa cartonada


Resumo

O assassínio do arquiduque François Ferdinand, que despoleta o início daquela que será a Primeira Guerra Mundial, é um óptimo pretexto para ser reactivado o projecto “Sentinelas”, cuja origem remonta a 1911 e ao conflito franco-marroquino, onde os novos super-soldados franceses, homens complementados com uma espécie de armadura e membros metálicos, fizeram a sua estreia e descobriram a sua principal limitação: a curta duração das suas baterias. Três anos mais tarde, a solução parece estar na pilha de Rádio que Gabriel Féraud acaba de inventar. Único senão: o seu criador recusa utilizá-la para fins bélicos…

Desenvolvimento
Dorison di-lo na entrevista incluída no tomo 1: esta é “A história de um homem vítima de um destino trágico”, “uma história que começa pelo sonho de que alguns homens podem mudar o destino de muitos milhões”.
Ambientada na Primeira Guerra Mundial, esse conflito na fronteira entre os combates corpo-a-corpo e a utilização da tecnologia (ainda algo incipiente) bélica, “Les Sentinelles” conta como um inventor pacifista, se vê obrigado a tornar-se a mais terrível arma do exército francês, na sequência de uma incorporação (forçada) e de um acidente (provocado), que o priva dos seus membros, da companhia da sua família e, principalmente, da possibilidade de viver segundo as suas convicções. Ao longo da obra, este conflito interior vai agudizar-se e proporcionar os momentos de maior tensão.
Apesar da imponência (e dos “poderes”) dos Sentinelas, este está longe de ser um relato de super-heróis, sem a sua dinâmica e as acções espectaculares, acentuando antes o retrato cru e extremamente realista (apesar da incontornável carga ficcional da narrativa) da realidade dos combates e da vida nas trincheiras, entre suor, sangue, dor e morte.
Graficamente, há um forte contraste entre o tom modernista do relato (em relação à época em que se passa a acção, claro está) e o magnífico traço clássico, barroco, expressivo e duro de Breccia. Servindo-se de uma planificação heterogénea e da alternância entre enquadramentos, com destaque para os grandes planos, que normalmente acentuam os momentos de maior tensão e pontuam o ritmo da narrativa, revelando todas as emoções que os protagonistas experimentam, o desenhador argentino torna patente toda a violência (por vezes quase bestial) da história. A isto, alia também o recurso a expedientes narrativos bem resolvidos, como é o caso das páginas 28 e 29 em que vemos a acção pelos olhos de Féraud.
Em relação aos próximos tomos, fica a curiosidade de ver como Dorison vai desenvolver a sua trama, mantendo-se fiel à verdade histórica ou optando por alterar o curso da guerra e criar uma realidade alternativa…

A reter
- A forma realista como os autores mostram a dura realidade da Primeira Guerra Mundial.

Menos conseguido
- O retrato algo estereotipado de alguns dos intervenientes.

Curiosidade
- Na origem deste projecto esteve uma eventual colaboração de Dorison com a Marvel - que acabou por não se concretizar – que passava pela escrita de um one-shot do Homem de Ferro, ambientado exactamente na Primeira Guerra Mundial
- O primeiro volume foi inicialmente publicado pelas edições Lafont BD, em Janeiro de 2008, tendo a Delcourt entretanto comprado o fundo de catálogo daquele editor.
- A primeira edição do primeiro volume inclui um dossier de 8 páginas com uma entrevista com Xavier Dorison e esboços e ilustrações de Enrique Breccia; o segundo volume inclui um exemplar de 4 páginas, formato tablóide, da edição nº11 do jornal “La Sentinelle”, “datada” de 12 de Setembro de 1914, com relatos das intervenções das Sentinelas na Primeira Guerra Mundial.

19/06/2009

Surge… Ferd’nand – Tiras de 1937
















Surge… Ferd’nand – Tiras de 1937
Mik (argumento e desenhos)
Libri Impressi (Portugal, Dezembro de 2008)
226 x 203 mm, 108 p., cor e pb, bilingue (português/espanhol), capa brochada com badanas


Resumo
De Ferd’nand, poder-se-ia dizer que foi a primeira tira diária de imprensa muda, a primeira tira não norte-americana de sucesso mundial e uma das tiras publicadas durante mais tempo (67 anos, de 1937 a 2004), para além de ter sido presença constante no jornal “O Comércio do Porto” durante décadas.

Desenvolvimento
Mas, prosseguindo a ideia deixada atrás, nada disso, por si só, lhe faria justiça.
Publicado pela primeira vez a 3 de Maio, assinado por um jovem dinamarquês de apenas 21 anos, Ferd’nand assenta numa simplicidade desarmante. O traço é simples, arredondado e desprovido de mais pormenores do que os necessários para materializar o gag, No entanto, nessa sua aparente simplicidade, demonstra uma expressividade, um sentido de composição e de equilíbrio do conjunto de 3 a 5 vinhetas que habitualmente compõem a tira e um dinamismo assinaláveis, que conferem ao todo uma enorme legibilidade. Simples, quase sempre de uma grande ingenuidade, são também os argumentos, sempre auto-conclusivos, sem qualquer continuidade, assentes nos pequenos nadas do quotidiano, revistos à luz de um humor directo mas sempre inesperado, uma vez por outra com um toque de nonsense. E que mantêm hoje toda a frescura, mesmo quando a ideia base possa ser um pouco datada.
Para sustentar a tira, ao lado de Ferd’nand, existe uma curtíssima galeria de personagens: a sua esposa, filho (cópia em ponto pequeno do progenitor) e cão. O protagonista, sem profissão fixa, escolhida ao sabor das necessidades do gag, mas sempre pertencente à classe média, como forma de garantir identificação com maior número de leitores, permanece inalterável fisicamente e na sua maneira de ser e agir, ao longo dos anos, apresentando-se (quase) sempre com o seu chapéu característico, calças de fazenda, casaco preto e colete com dois grandes botões.

A reter
- A publicação, pela primeira vez em livro, de todas as tiras do ano de nascimento de Ferd’nand, para mais com uma cuidada e detalhada introdução de Manuel Caldas.
- A possibilidade de este ser o tomo inicial da edição integral do Ferd’nand de Mik, assim a edição encontre os compradores suficientes.
- O sentido de oportunidade do editor ao fazer uma edição bilingue (português/espanhol) que aumenta em muito o potencial mercado para a obra o que permitirá mais facilmente recuperar o investimento e avançar com novos volumes.

Menos conseguido
- As (apenas) 70 páginas com tiras sabem a pouco… Mas claro que juntar dois anos num só volume aumentaria demasiado o seu preço final…

Curiosidades
- Para descobrir algumas, há que ler a introdução de Manuel Caldas, como habitualmente minucioso e bem informada e profusamente ilustrada.

(Versão revista e aumentada do texto publicado a 21 de Fevereiro de 2009 no suplemento In’ da revista NS, publicada aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

18/06/2009

Fábula de Bagdad

Fábula de Bagdad
Brian K. Vaughan (argumento)
Niko Henrichon (desenho)
BdMania (Portugal, Dezembro 2007)
178 x 264 mm, 136 p., cor, capa cartonada


Resumo

Abril de 2003. Durante um bombardeamento, um bando de leões foge do Jardim Zoológico de Bagdad. Famintos, perdidos, confusos, deambulam pelas ruas semi-destruídas até se encontrarem com uma patrulha norte-americana.

Desenvolvimento
Partindo deste acontecimento real - de uma história com princípio e fim conhecidos - Brian Vaughan, argumentista aplaudido, autor dos premiados ""Y" e "Ex-Machina" e também de alguns episódios de "Lost/Perdidos", parte para uma reflexão sobre a liberdade - se deve ser oferecida ou conquistada - e qual o preço a pagar por ela - qual o preço que ela merece? - numa fábula alusiva à situação real que se vivia então (que se vive ainda…?) no Iraque.
E se o título português reforça este último aspecto, perde a dualidade do original ("Pride of Baghdad"), no qual o vocábulo inicial significa tanto "bando de leões" como "orgulho".
Orgulho que existe, embora revelado de formas distintas nos quatro leões fugidos do zoo. Safa, a leoa mais velha, é a única que tem recordações - quase todas negativas -da vida em liberdade na savana, revelando quase sintomas do Síndroma de Estocolmo em relação aos humanos seus captores. Noor, a leoa mais nova, nascida em cativeiro, sonha desde sempre conquistar a liberdade. Para isso, tenta a união de todos os animais, embora seja evidente que os outros (lhe) pagarão um preço alto por essa liberdade - que para eles seria apenas momentânea. Zill, o macho, está acomodado, quase sempre pouco autónomo, prefere que as coisas aconteçam do que ser o agente que as origina. Sobra Ali, um jovem leãozinho, inconsciente, irreverente e com uma grande vontade de conhecer mundo.
E é da discussão destes diferentes pontos de vista, durante a deambulação, - que Vaughan não defende nem ataca, apenas expõe, sem dar respostas - que se faz o argumento, que flui de forma pausada, ao ritmo das palavras e dos pensamentos de que dota os animais, cujos diálogos quase fazem esquecer a sua condição de bestas, pois revelam bem mais da animalidade do ser humano, do que propriamente dos "reis da selva". Embora mostrem a sua condição "real" - todo o seu "orgulho" esquecido - nos momentos em que se suplantam para lutar pelas suas crenças e pela continuidade da sua união, embora ela pareça quase sempre inexistente.
Se numa BD texto e desenho devem formar um todo único, é impossível negar o peso do sumptuoso trabalho gráfico de Henrichon, hiper-realista no retrato dos animais, bem providos de ritmo e movimento, fazendo forte contraste com o cenário urbano em que evoluem, marcado pelo caos e destruição, num todo pintado com belíssimas cores quentes, que nos ambientam no sufocante Iraque real. E que é evocador enganoso de "O Rei Leão" da Disney, pois onde aquele era beleza e alegria, este, analisado com mais pormenor, mostra animais decrépitos, decadentes, maltratados, desiludidos com a sua situação e com a vida, em imagens que podem até tornar-se chocantes, como quando uma girafa é brutalmente decepada por uma bomba ou quando os leões são selvaticamente (?!) metralhados.

A reter
- O argumento com conta, peso e medida de Brian Vaughan, que expondo uma opinião foge ao to panfletário e deixa espaço para o leitor formar a sua opinião.
- O desenho magnífico de Niko Henrichon.
- A boa edição portuguesa da BdMania.

(Versão revista e actualizada do texto publicado a 31 de Maio de 2008 no suplemento In’ da revista NS, publicada aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
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