Espírito e forma
“… e
ao ler a sua adaptação em banda desenhada encontrei o espírito e,
muitas vezes, a letra da novela…”Nuno
Júdice, na introdução de A Implosão
Aquela frase, aparentemente simples, se resume bem dois aspectos importantes desta adaptação - mais uma - de uma obra literária, numa época em que elas voltaram a estar ‘na moda’, deixa mesmo assim de fora o melhor e o menos bom que Mário André fez.
Vamos por partes, então.
Numa adaptação, manter o espírito da obra - a sua essência, as suas ideias fortes - é fundamental. Se o autor da obra original - que eu desconheço - o (/se) reconhece na banda desenhada que dela se originou, penso que está tudo dito.
No entanto, fazê-lo a partir do uso (e abuso) dos textos originais - como me parece que acontece aqui, já é menos positivo, e o simples folhear da obra permite ver demasiado texto em muitas das pranchas, o que obviamente dificulta a sua leitura e prejudica o seu ritmo narrativo.
Apesar disso - contrariando-o, até - é preciso reconhecer o maior mérito de Mário André: a planificação variada e dinâmica que conseguiu imprimir a uma obra que maioritariamente assenta num diálogo denso e pesado entre duas personagens - por vezes quase dois monólogos paralelos - sem qualquer acção. A mudança de planos, a variação das tomadas de ponto de vista, uma ou outra fuga à planificação mais tradicional adoptada, ajudam a leitura e o acompanhamento de um texto que, de si, já não é fácil. E contribuem um pouco para atenuar as evidentes limitações gráficas, ao nível dos rostos da construção da figura humana e dos parcos cenários que o autor arriscou mostrar.
A Implosão - nascida e situada em 2012, durante as manifestações espontâneas anti-Troika - é um mergulho no passado dos dois intervenientes, que sonharam com realidades diferentes durante a ditadura, mas a quem a revolução e a liberdade se encarregaram de destruir os sonhos e multiplicar as desilusões, de alguma forma consubstanciadas nas ideias - nos ideais? - de pátria e Europa…
… e no amor impossível com a mulher que ambos amaram, que perpassa como uma sombra sobre toda a narrativa, assumindo diferentes papéis e protagonismo nas lembranças - e na imaginação» - de cada um.
Com a acção - a falta dela… - a desenrolar-se quase exclusivamente numa velha igreja, onde os dois protagonistas se encontram face a um caixão, face a face com o desengano, a desilusão e a negação dos seus sonhos, a grande questão que se vai impondo é quem - ou o quê - está afinal no caixão que velam.
A resposta, estará em linha com o desencanto de ambos - e de quantos de nós com eles?
A Implosão
A partir da novela homónima de Nuno Júdice
Mário André
Kustom RatsPortugal, Outubro de 2021
190 x 250 mm, 96 p., pb, capa cartão
12,00 €
(imagens disponibilizadas pela Kustom Rats; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Sem comentários:
Enviar um comentário