Narrativa
neo-gótica de ficção-científica, que adapta o romance homónimo,
de 1958, de Stefan Wul, La Mort Vivante é o novo álbum do
português Alberto Varanda, onde demonstra todo o seu virtuosismo,
sob a influência de grandes génios do traço.
Vamos
contextualizar: estamos alguns séculos no futuro. Após confrontos
que inviabilizaram praticamente a vida na Terra, a humanidade emigrou
para Marte, colonizado e tornado habitável. A par dos seres humanos,
aranhas gigantescas feitas animais domésticos e polvos de estranhos
poderes, povoam também estes mundos, onde paira a decadência a par
da incapacidade de libertação do passado.
Martha
é uma antiquária e contrabandista de artefactos dos tempos antigos,
que perdeu a sua filha, Lise, de apenas 10 anos, devido a uma queda
num poço profundo, durante uma das suas explorações. Anos depois,
o rapto (semi-voluntário) de Joachim, um biólogo caído em desgraça
junto do poder devido à sua ligação à antiga ciência terrestre e
ao seu amor pelos seus suportes - leia-se os livros - tem como
objectivo clonar a sua própria filha para a fazer reviver.
Narrativa
fechada, num universo possível com muito por explorar, La Mort
Vivante combina o relato de antecipação (com clonagem e
ciborgues no topo do icebergue), com o de terror, tendo por suporte
um traço classicista que dá vida a uma mescla de cenários
futuristas com o período vitoriano, à imagem de As Cidades
Obscuras, com Varanda a brilhar a grande nível com um traço
detalhado e sombrio, realista na exploração do ser humano e
espetacular quando dá livre curso à imaginação ao seu virtuosismo
em painéis de prancha inteira. E cuja grandiosidade pode ser melhor
apreciada na edição a preto e branco de grande formato também
disponível.
Para
lá das questões e das respectivas implicações, técnicas e éticas
- sempre latentes - sobre a vida, o seu prolongamento, a sua
substituição, La Mort Vivante é um desfilar de influências
- assumidas e assimiladas - quer da literatura, com Lovecraft à
cabeça, quer do desenho, com Gustave Doré (e a sua técnica assente
no recurso a um tracejado múltiplo), Bernie Wrightson (mestre da
ilustração de horror) e François Schuiten (na combinação de
passado e futuro num todo funcional) a destacarem-se.
Assumindo
um tom cerebral, em que os diálogos e a narrativa interior de
Joachim é que proporcionam a contextualização e os avanços, o
relato de Vatine surge ao leitor incómodo e inquietante, deixando
voluntariamente em suspenso questões funcionais e apresentando um
final em aberto que reforça o seu desconforto geral.
La
Mort Vivante
Oliver
Vatine (argumento e cor)
Alberto
Varanda (desenho)
Comix Buro
França,
22 de Agosto de 2018
240
x 320 mm, 72 p., cor, capa dura
15.50
€
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
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